Incêndios em Portugal podem ser até três vezes piores no futuro

Novo estudo sobre o impacto das alterações climáticas nos fogos sugere cenários preocupantes para toda a Península Ibérica.

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Gravidade dos incêndios pode vir a ser muito mais condicionada pela meteorologia do que pela capacidade de os combater ENRIC VIVES-RUBIO

Se acredita que mais meios de combate e melhor prevenção vão ser suficientes para controlar a praga dos fogos florestais em Portugal, não vai gostar de ouvir o que estes cientistas têm a dizer. No futuro, a área ardida em toda a Península Ibérica poderá duplicar ou triplicar em relação ao que já é hoje. E isto por duas razões inescapáveis: o mundo estará mais quente e a meteorologia é quem manda nos fogos.

Uma nova estatística sobre o impacto das alterações climáticas nos incêndios ibéricos é o resultado de um estudo de investigadores portugueses e espanhóis, recentemente publicado na revista Agricultural and Forest Meteorology.

Usando diferentes modelos de simulação climática, os cientistas testaram novas metodologias para antecipar como podem vir a ser os verões, em termos de temperatura, chuva e fogos. No Noroeste da península, que abrange cerca de um quarto de Portugal e onde está concentrada uma parte importante dos incêndios, os termómetros poderão subir dois a três graus Celsius até 2075, em Julho e Agosto. Na prática, a temperatura média ao meio-dia poderá aumentar dos 24,9 graus Celsius registados entre 1980 e 2005 para os 27,9 graus Celsius dentro de seis décadas, segundo um dos modelos.

Para a região Sudoeste da península, onde se encontra o resto do país, o termómetro pode saltar de uma média de 28,4 graus Celsius até 32,6 graus Celsius – uma subida de mais de quatro graus.

“Isto é a média para todo o Verão. Uma subida de três a quatro graus em todos os dias já é muito significativo”, afirma o autor principal do estudo, Pedro Sousa, do Instituto Dom Luiz, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Esta média pressupõe uma maior frequência de dias de calor extremo, que são o alimento dos incêndios florestais, explica o investigador.

A complicar a situação, os modelos sugerem uma redução de 50% na precipitação no Noroeste da Península Ibérica, com 25% menos dias de chuva em Julho e Agosto. A Sudoeste, os resultados apontam para poucas mudanças na quantidade de precipitação entre Fevereiro e Maio – um período importante para a formação da biomassa que pode vir a arder no Verão.

Com estes cenários, os fogos prometem ser ainda piores do que agora. “Até 2075, as áreas ardidas [na Península Ibérica] podem ser duas a três vezes maiores do que no presente”, conclui o estudo.

“Não é um resultado totalmente surpreendente, tendo em conta estudos anteriores”, afirma Pedro Sousa. Num artigo publicado em 2010, investigadores da Universidade de Aveiro estimaram que, num mundo com o dobro de dióxido de carbono na atmosfera em relação à era pré-industrial, a área ardida em Portugal poderá aumentar 478%, ou seja, quase cinco vezes.

O país já lidera a lista europeia dos incêndios florestais da última década e meia. Um estudo publicado no final do ano passado, de investigadores das universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro e de Lisboa, contabiliza 1.564.400 hectares ardidos no país entre 2000 e 2013, cerca de 30% de tudo o que foi transformado em cinzas em toda a Europa. A seguir vem Espanha, com pouco mais de um milhão de hectares, a Grécia, com 593.000 hectares, e a Itália, com 531.000.

O que deixa pouca margem para grandes optimismos é o facto de a gravidade dos incêndios ser muito mais condicionada pela meteorologia do que pela capacidade em combatê-los ou preveni-los.

Os números recentes de Portugal são um sintoma disso. Depois dos anos catastróficos de 2003 e 2005, quando arderam 426.000 e 339.000 hectares respectivamente, várias medidas estratégicas para prevenir e combater os fogos foram postas em prática. Nos anos seguintes, a área ardida baixou consideravelmente. Mas em épocas com verões quentes e secos voltou a subir acima dos 100.000 hectares – em 2010 (133.090), 2012 (110.232) e 2013 (152.758), segundo dados do Instituto da Conservação da Natureza e Florestas. No ano passado, com um Verão relativamente frio, os fogos foram mais calmos, com cerca de 20.000 hectares ardidos.

Um modelo desenvolvido pelo climatologista Carlos da Câmara e outros investigadores da Universidade de Lisboa, para a previsão da severidade da época dos incêndios, identifica uma combinação dupla que pode ser fatal ou redentora. Muita chuva com pouco calor em Março e Abril, seguida de pouca chuva e muito calor em Maio e Junho, é a receita ideal para um Verão com muita área ardida. Já um princípio de Primavera seco, seguido de meses frios, promete o contrário, menos fogos.

Seja como for, o grande factor que irá ditar a existência de grandes incêndios é o estado do tempo no Verão. “A variabilidade interanual da área ardida total é sobretudo controlada pelas condições meteorológicas, apesar dos esforços actuais de supressão e controlo do fogo”, refere o estudo agora publicado sobre destino dos incêndios na Península Ibérica.

Pedro Sousa chama a atenção para o facto de os cenários do estudo não levarem em conta outros factores que podem ter influência sobre os incêndios no futuro, em particular as alterações no uso do solo. Mas tudo indica que o melhor é estar preparado para o pior. “A ideia principal aqui é a da adaptação”, refere o investigador. “Sem isso, vai ser complicado.”

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