Homem paralisado volta a andar depois de uma terapia pioneira

Um búlgaro paraplégico recebeu um autotransplante de células que lhe regenerou a espinal medula. Passados dois anos, consegue caminhar, ainda que com ajuda.

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Darek Fidyka consegue caminhar apenas com a ajuda de um andarilho AFP/BBC Panorama

Em 2010, um terrível acontecimento mudou a vida de Darek Fidyka. Este búlgaro foi esfaqueado na região do tórax e sofreu uma lesão de oito milímetros na espinal medula. O ferimento paralisou-o da região do peito para baixo. O búlgaro juntava-se assim às três milhões de pessoas que, em todo o mundo, não podem andar devido a lesões na espinal medula. Mas em 2012 foi submetido a um tratamento médico experimental baseado no autotransplante de células do bolbo olfactivo e de tecido nervoso. Desde então, voltou a caminhar, ainda que com ajuda.

Esta recuperação inédita sugere que o tratamento pioneiro, descrito num artigo publicado esta terça-feira na revista Cell Transplantation, poderá vir a ajudar outras pessoas em situações semelhantes, adiantam responsáveis pela equipa de cientistas e cirurgiões envolvidos neste procedimento experimental. Para Darek Fidyka, a sensação é a de um renascimento.

“É uma sensação incrível”, disse o búlgaro de 40 anos, citado pela BBC News. “Quando não se consegue sentir quase metade do corpo, está-se impotente. Mas quando as sensações começam a voltar é como se nascêssemos de novo.”

A espinal medula, protegida (e rodeada) pela coluna vertebral, faz parte do sistema nervoso central. Deste tecido saem os nervos que permitem pôr os músculos das várias regiões do corpo a funcionar. Por isso, os efeitos de uma lesão na espinal medula dependem não só da gravidade dos danos mas também do local onde acontecem. Há pessoas que ficam tetraplégicas e impossibilitadas de respirar naturalmente quando a lesão se dá na zona do pescoço. Mas há ainda outras consequências menos imediatas, a nível fisiológico, como a incontinência rectal ou a disfunção sexual.

Na escala de cinco categorias que estabelece a gravidade das lesões da coluna espinal, criada pela Associação Americana de Lesões Espinais, Darek Fidyka estava na categoria A, a pior, em que não há qualquer função motora e sensorial. Apesar de ter feito fisioterapia diariamente depois de ter sido ferido, o búlgaro não conseguiu recuperar nenhuma sensação ou movimento.

Geoffrey Raisman, um dos responsáveis do Instituto de Neurologia da University College de Londres, no Reino Unido, está há 40 anos a investigar uma forma de tratar estas lesões. O investigador foi líder da equipa britânica que, juntamente com cirurgiões da Universidade de Vratislávia, na Polónia, aplicaram o tratamento experimental a Darek Fidyka que Geoffrey Raisman tem andado a desenvolver, primeiro em modelos animais, depois em humanos.

O conceito do autotransplante passa por usar certas células que existem no bolbo olfactivo e que ajudam a regenerar neurónios. O bolbo olfactivo situa-se na base do cérebro e é fundamental para o sentido do olfacto. Os neurónios do bolbo olfactivo fazem chegar ao cérebro a informação vinda do epitélio nasal – e é o epitélio que está em contacto com o ar que se respira e “lê” as moléculas que sentimos como cheiros.

Mas os neurónios que vão do bolbo olfactivo ao epitélio nasal vão morrendo, e precisam de ser regenerados. Para isso, têm a ajuda das células mielinizantes do bolbo olfactivo e dos fibroblastos do nervo olfactivo. Em conjunto, estas duas classes de células ajudam a construir os feixes de fibras nervosas, novinhos em folha, que ligam as duas estruturas.

A equipa internacional utilizou estas duas classes de células para tentar regenerar a medula espinal de Darek Fidyka. Para isso, os neurocirurgiões começaram por retirar um dos dois bolbos olfactivos do búlgaro (cada pessoa tem um par destes órgãos, tal como os pulmões ou os rins) para cultivar aquelas células durante alguns dias. E, assim, obter uma quantidade suficiente para o transplante.

Depois, introduziram estas células nas extremidades da lesão na coluna vertebral, que afectava mais a parte esquerda da medula espinal. Além disso, colocaram ainda pedacinhos de tecido nervoso, retirado dos nervos do tornozelo, para colmatar a falha de oito milímetros causada pela lesão. 

O tratamento foi acompanhado por fisioterapia cinco dias por semana, cinco horas por dia. Cerca de três meses depois da operação, Darek Fidyka apercebeu-se de que o tratamento tinha corrido bem quando a perna esquerda começou a ganhar músculo, avança a BBC News.

“As células mielinizantes do bolbo olfactivo e dos fibroblastos do nervo olfactivo parecem estar a trabalhar em conjunto [na regeneração da coluna espinal], mas o mecanismo desta interacção ainda é obscuro”, disse Geoffrey Raisman, citado num comunicado sobre o trabalho.

Seis meses após o tratamento, o búlgaro deu os primeiros passos, apoiado em barras paralelas, com ortopróteses para as pernas e a ajuda de um fisioterapeuta. Agora, passados dois anos da operação, já consegue caminhar fora do Centro de Neuro-reabilitação Akson, em Vratislávia, com a ajuda de um andarilho. Além disso, recuperou parcialmente a sensação da bexiga e dos intestinos e a função sexual.

Darek Fidyka encontra-se agora na categoria C da escala da associação norte-americana: ganhou alguma sensação e capacidade motora. Quando caminha, ainda se cansa rapidamente, mas mantém-se esperançoso quanto ao futuro. “Acho que é realista pensar que um dia serei independente”, disse. “O que aprendi é que nunca se deve desistir e deve-se continuar sempre a lutar, porque alguma porta acaba por se abrir.”

A equipa internacional quer agora continuar a fazer este tratamento experimental em pessoas com lesões na medula espinal, para tentar melhorar a técnica, explicou Geoffrey Raisman: “Acreditamos que este procedimento é um avanço que resultará numa mudança histórica do prognóstico, hoje sem esperança, das pessoas inválidas devido a lesões na espinal medula.”

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