Gracinda Ferreira candidatou-se a um bilhete só de ida para Marte

Arquitecta portuguesa faz parte dos pré-seleccionados a primeiros colonos ao planeta vermelho, a partir de 2025. Por agora, uma viagem destas “não lhe parece real”, nem a ela nem à sua família.

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Gracinda Ferreira, 34 anos Adriano Miranda

Rezava o livro clássico do escritor H. G. Wells que, em Marte, seres avançados olhavam a Terra com inveja — a partir do desértico planeta vermelho cobiçavam as florestas, a água e todos os recursos do planeta azul e por isso lançaram uma invasão a larga escala. Mais de um século depois da publicação de A Guerra dos Mundos, os papéis parecem invertidos: são agora os humanos que olham para a face rochosa de Marte e ambicionam fazer do quarto planeta a contar do Sol a sua nova casa.

Em Abril de 2013, um projecto chamado Mars One pediu voluntários para integrarem uma missão de colonização em Marte a partir de 2025. A ideia agradou a Gracinda Ferreira, de 34 anos, uma arquitecta portuguesa apaixonada de longa data pelos astros. Nessa altura apenas lhe foi pedido um vídeo de apresentação em que falasse um pouco de si. Dos cerca de 200 mil candidatos apenas 1000 passaram à próxima fase. Recentemente, pediu-se aos candidatos que enviassem atestados médicos para confirmar a sua aptidão. Ultrapassada mais essa fase eliminatória, Gracinda Ferreira está agora entre um grupo de 705 candidatos – grupo esse que conta com mais dois portugueses: André Cipriano e João Carreiro.

Gracinda Ferreira assume que o grande motivo para se lançar nesta aventura foi efectivamente um fascínio de infância com a nossa vizinhança cósmica. A arquitecta afirmou ao PÚBLICO que começou a interessar-se “por astronomia mesmo antes de saber o que significava essa palavra, ou antes sequer de saber ler”. Descreve tardes de infância passadas a folhear livros sobre astronomia na biblioteca de casa — não sabia o que nada daquilo dizia, mas “perdia horas a ver os diagramas e ilustrações de viagens espaciais”.

Essa paixão acompanhou-a ao longo da vida pessoal, mas não no seu percurso profissional. Acabou por se formar em Arquitectura pela Universidade do Porto, “por influência da irmã”. Mas confrontada com um mercado de trabalho onde é difícil entrar, Gracinda Ferreira finalmente resolveu fazer justiça ao afecto pelos astros e ingressou em 2013 na licenciatura de Engenharia Física, na Universidade de Aveiro. Diz que o faz por gosto, e não para se colocar melhor na selecção de candidatos a colonos marcianos. “Mas mal não deve fazer, até porque já devo ter concluído a licenciatura quando chegar a hora de partir.”

Mas Gracinda Ferreira recusa dramatismos quando questionada sobre a hipótese de nunca mais rever família, amigos, rios, árvores… “Julgo que disseram que seria uma viagem apenas de ida para afastar turistas espaciais e terem menos curiosos para filtrar. Acho que não há nada que impeça os colonos de voltarem à Terra, se assim o desejarem.” Assegura que levará o processo até ao fim, mas que, de momento, esse cenário é apenas potencial e “não lhe parece real”, nem a ela nem aos familiares.

André Cipriano, um jovem estudante de Engenharia Civil que também passou à próxima fase, é mais cauteloso: “A perspectiva de não voltar assusta qualquer pessoa, mentiria se dissesse que não estou amedrontado com esse aspecto.” O estudante lisboeta agarra-se a uma herança de bravura: “Quantas pessoas na época dos Descobrimentos não se fizeram ao mar em busca de aventura, sabendo que muito provavelmente nunca voltariam a ver a sua pátria?” E oferece inspiração via Fernando Pessoa: “Quem quer passar além do Bojador, tem de passar além da dor.”

O projecto Mars One
A Mars One, liderada pelo empreendedor holandês Bas Lansdorp, é uma fundação que tem parcerias com empresas como a SpaceX — uma transportadora espacial que recentemente venceu a Blue Origin de Jeff Bezos num concurso para fazer entregas de materiais à Estação Espacial Internacional (ISS, na sigla em inglês) — ou a Paragon, a maior fornecedora de materiais de apoio à vida em condições extremas. O custo total da missão a Marte está orçado em cerca de 4400 milhões de euros, e a Mars One espera reunir essa quantia a tempo da entrega dos materiais.

A atenção mediática é a principal via de financiamento prevista. A Mars One crê que o interesse alargado na missão poderia ser rentabilizado num reality show à volta da selecção das equipas de colonos. Com efeito, no último dia 2 de Junho foi anunciado um acordo com a Endemol para a produção e distribuição deste programa onde os candidatos seriam postos à prova em testes físicos e mentais extremos.

De acordo com o calendário previsto pela organização, uma série de missões não tripuladas entre 2018 e 2023 irão depositar em Marte materiais, habitáculos e rovers, de forma a estabelecer uma infra-estrutura capaz de receber os primeiros colonos em 2025. A partir daí, a colónia receberá novas equipas de colonos (sempre dois homens e duas mulheres) de dois em dois anos. Esta periodicidade corresponde ao intervalo de tempo em que a aproximação máxima das órbitas dos dois planetas se repete, permitindo uma maior economia de tempo e combustível.

Há ainda muito cepticismo quanto à viabilidade desta missão. O financiamento necessário parece difícil de angariar, e há ainda questões sobre se a tecnologia existente neste momento será a suficiente para estabelecer uma colónia permanente. O próprio Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, apontou, apenas como uma hipótese provável, 2030 como o ano mais próximo para o lançamento de uma missão tripulada a Marte da própria agência espacial NASA.

Texto editado por Teresa Firmino


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