GPS genético calcula as nossas coordenadas geográficas ancestrais

O Geographic Population Structure – ou GPS – é um software que permite, a partir da leitura de bocadinhos do ADN de qualquer pessoa, dizer de onde vieram os seus antepassados.

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A população mundial deverá continuar a aumentar para além de 2050 Nuno Ferreira Santos

Uma equipa internacional de cientistas desenvolveu uma ferramenta informática que permitiu identificar, em 83% dos casos, o país de origem de centenas de pessoas de todo o mundo com base no seu ADN. Os resultados, que segundo os autores têm implicações para a história das migrações humanas, as ciências forenses e a medicina personalizada, foram publicados na edição desta semana da revista Nature Communications.

E mais: quando aplicado a cerca de 200 habitantes de dez aldeias na Sardenha, uma população com séculos de insularidade e endogamia, a ferramenta – baptizada Geographic Population Structure ou GPS – conseguiu “geolocalizar”, tal como o autêntico GPS por satélite, a área de residência de todos eles com uma precisão de 50 quilómetros… e até, em 25% dos casos, a sua aldeia. O mesmo aconteceu com 20 ilhas da Oceânia, onde 90% das pessoas cujo ADN foi analisado foram atribuídas à ilha certa pelo algoritmo, desenvolvido pela equipa de Eran Elhaik, da Universidade de Sheffield (Reino Unido), e Tatiana Tatarinova, da Universidade da Califórnia do Sul (EUA).

O GPS não é o primeiro método a utilizar a genética para mapear a nossa geografia ancestral. “Nas últimas quatro décadas, os especialistas (…) têm-se esforçado por atingir esta meta, mas com um sucesso limitado”, escrevem os autores. De facto, os algoritmos utilizados até aqui “apenas conseguiam atingir uma precisão de 700 quilómetros na Europa e eram muito imprecisos em todos os outros sítios”, acrescentam.

Existem empresas que comercializam online análises de ancestralidade genética. Por uma centena de dólares, podemos comprar um kit, recolher um pouco de saliva e fazer um teste. A seguir, a “leitura” de uma série de mutações genéticas pontuais, ou SNP, contidas no ADN dessa amostra biológica – e ali gravadas ao longo das gerações – permite reconstituir, nas suas grandes linhas, o rasto genético que persiste em nós da história e das deslocações dos nossos antepassados.

Porém, para desenvolver o GPS, os autores recorreram agora a um kit que afirmam ser muito mais preciso do que qualquer outro: o GenoChip, comercializado pela revista National Geographic no site do seu Genographic Project. Este teste contempla dezenas de milhares de SNP, distribuídas por todo o genoma, que se pensa serem particularmente informativas em termos de ancestralidade. Por outro lado, os cientistas também utilizaram amostras de ADN vindas do Projecto 1000 Genomas, que embora não esteja aberto à participação pública já permitiu sequenciar a totalidade do ADN de uma série de pessoas pertencentes a diversas populações humanas.

Geolocalização genética
O GPS genético que agora apresentaram foi desenvolvido para determinar a origem geográfica de uma dada pessoa. Só que, quando a pessoa pertence a uma população heterogénea do ponto de vista genético – fruto de sucessivas migrações e invasões ao longo da sua história –, o método serve sobretudo para identificar o local de origem ancestral e não o local de residência, explica a revista Nature num artigo jornalístico publicado no seu site.

“O que de facto descobrimos é uma maneira de determinar, não onde nasceu uma pessoa – essa informação consta do nosso passaporte –, mas sim onde é que o ADN dessa pessoa se formou, por vezes até há mil anos, devido a processos de mistura genética” de diferentes populações, diz Elhaik em comunicado da sua universidade. “E o que é notável é que conseguimos localizar com precisão a aldeia onde os antepassados de cada pessoa viveram há centenas e centenas de anos – algo que até aqui nunca fora possível.”

Tirando algumas excepções, a mistura genética costuma ser a regra nas populações actuais. E para Elhaik, também citado pela Nature, essa terá sido a razão pela qual só 83% das mais de mil pessoas por eles testadas no total foram devidamente colocadas no seu país de origem pelo GPS genético. Nos 17% restantes, o “erro” deveu-se provavelmente à história migratória dos seus antepassados.

Um exemplo particularmente ilustrativo – e diametralmente oposto ao da Sardenha – foi o do Kuwait. “As pessoas do Kuwait (…), originárias da Arábia Saudita, do Irão ou de outros locais da Península Arábica, foram atribuídas [pelo GPS] a essas regiões e não ao seu local de residência actual”, escrevem os cientistas.

Claro que não se tratou de um engano, mas apenas de um reflexo da diversidade étnica daquele país. “O facto de ter colocado os kuwaitianos no Irão e países circundantes não foi um erro, porque é mesmo dali que eles vieram”, frisa Elhaik. “E o mesmo vai acontecer com os norte-americanos actuais: a maioria deles vai ser mapeada para qualquer outro sítio que não os EUA.”

Um dos aspectos que interessam à equipa é a aplicação da nova ferramenta à medicina personalizada. “Uma massa crescente de resultados mostra que certos medicamentos têm efeitos terapêuticos diferentes em populações diferentes”, explica ainda Elhaik. O facto de a genética fornecer as origens [geográficas ancestrais] de um doente, sobretudo em populações muito heterogéneas, poderá permitir melhorar a adequação dos medicamentos administrados.

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