Financiamentos alternativos em ciência

Enquanto contribuinte, prefiro que uma parte considerável da ciência tenha financiamento público, seja avaliada por comissões científicas idóneas e escrutinada por todos. Longe da perfeição, estou em crer que esta é a forma mais eficaz de fazer o mundo avançar em ciência.

Por ocasião de uma visita a Portugal, a investigadora alemã Karin Schallreuter deu uma entrevista ao jornal Ciência Hojecom o título O futuro da investigação pode passar por donativos. Esta investigadora escolheu um parente pobre dentro das disciplinas médicas para se dedicar: a dermatologia. Como ela refere, nesta área não existem tantas doenças mortais como na oncologia, mas algumas afectam muito a qualidade de vida. Assim, e como indicado no título da entrevista, recorre muitas vezes a donativos para prosseguir as suas investigações. A dermatologia não deixa de ser uma especialidade médica e muitas pessoas estão bastante mais atentas à medicina do que a outras áreas do conhecimento. Acredito, portanto, que o financiamento acabe por ser conseguido de uma ou de outra forma.

Numa altura de grandes cortes no financiamento por parte do estado, a que a ciência não é alheia, o tema da procura de outras fontes torna-se mais actual. Redefinem-se estratégias de comunicação e publicidade dos centros de investigação e aumenta a roda-viva dos líderes que utilizam a sua influência entre mecenas e filantropos no sentido de caírem nas suas boas graças. Garanto-vos que o espectáculo às vezes é triste, sobretudo por parte daqueles que acham que agora é que vai ser e que o subfinanciamento é como o desemprego: uma bela oportunidade para fazer mais e melhor, e que assim as coisas se irão ajustar por si.

Outros optam por aumentar a parte dos seus recursos humanos que se dedica à prestação de serviços “científicos” à comunidade, que não passam de rotinas já estabelecidas e que não beneficiam da inovação científica que se faz (ou fazia) naqueles centros. São muitas vezes uma concorrência desleal às empresas de cariz tecnológico, pois conseguem uma considerável economia de escala nos custos operacionais, seja no equipamento, no pagamento de rendas, água ou electricidade, ou ainda mais grave, na contratação de mão-de-obra especializada e barata (bolseiros, estagiários), se estiverem ligados a universidades, sob o pretexto da formação graduada em ambiente empresarial.

É claro que também aqui as fronteiras não são fáceis de definir e que a transferência de conhecimento das universidades e centros de investigação para a sociedade é uma coisa boa e necessária, mas mal estamos quando a principal preocupação de um director de um destes centros, que lá chegou em princípio pela sua carreira científica, é manter as suas linhas de investigação e postos de trabalho a qualquer custo. O famoso princípio de Peter não perdoa.

Nesta situação, a redefinição de estratégias está a priori inquinada. Não são nem as linhas mais produtivas, com melhor ciência, na forma como a podemos avaliar, nem as pessoas a elas associadas que contam mais. Nesta situação emergem os projectos mais sexy, mais vendáveis, muitas vezes em detrimento de linhas mais robustas. Nada tenho contra um benemérito que queira apoiar a sequenciação do genoma do rouxinol que em pequeno ouvia todas as manhãs, ou o estudo da enfermidade que atacou definitivamente a sua mãe. Apenas considero que esta não pode ser a forma como esperamos que a ciência se financie.

Ainda assim, enquanto contribuinte, prefiro que uma parte considerável da ciência tenha financiamento público, seja avaliada por comissões científicas idóneas e escrutinada por todos. Longe da perfeição, estou em crer que esta é a forma mais eficaz de fazer o mundo avançar em ciência. Os doadores, mecenas ou filantropos terão o seu papel também aqui, mas nunca por substituição.

Biólogo, professor auxiliar na Universidade Lusófona em Lisboa
 

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