Fetos humanos não têm consciência da dor durante as primeiras 24 semanas de gestação

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O feto está num estado de dormência PÚBLICO

Relatório britânico pedido pela Câmara dos Comuns põe em causa argumento da dor para reduzir o prazo em que se pode interromper gravidez por malformações.

Tudo indica que os fetos humanos reagem a agressões mas não sentem dor pelo menos até às 24 semanas de gestação. A conclusão é publicada num relatório do Real Colégio de Obstetrícia e Ginecologia britânico, feito a partir da análise dos estudos científicos e médicos mais relevantes sobre este assunto que foram publicados desde 1997.

“É notório que as ligações [nervosas] entre a periferia e o córtex não estão intactas antes das 24 semanas de gestação. Como a maioria dos neurocientistas acreditam que o córtex é necessário para perceber a dor, pode-se concluir que o feto não consegue experimentar a dor antes deste período”, diz o relatório. Mesmo depois das 24 semanas o feto está sedado naturalmente e não tem consciência devido ao ambiente no interior do útero, defende o documento.

O estudo foi pedido em 2008 pela Câmara dos Comuns. Discutia-se a diminuição do prazo em que é possível interromper a gravidez, se os fetos tiverem malformações. A proposta queria passar das 24 para as 20 a 22 semanas e foi chumbada nesse ano.

Apesar de estar provado que às 24 semanas o feto humano já tem um sistema nervoso que permite reagir automaticamente a estímulos que danifiquem os tecidos, esta informação, que produz uma reacção muscular, ainda não chega ao córtex superior. É esta parte do cérebro que nos torna capazes de ter consciência e experimentar a dor.

Mesmo um recém-nascido, que já sente dor, tem uma percepção diferente de uma criança que experimenta a sensação, tem consciência, e partilha com os outros o conhecimento do estado de dor.

A conclusão do relatório não surpreende Luís Graça, responsável pelo departamento de Obstetrícia do Hospital de Santa Maria. “Aquilo que agora veio a lume confirma o que era a nossa convicção”, disse por telefone ao PÚBLICO.

“Quando se fazem intervenções durante a gravidez [como numa amniocentese], o feto reage à agressão mas é um reflexo e não é uma dor”, disse o obstetra Luís Graça, acrescentando que os fetos não têm desenvolvimento cerebral suficiente para experimentarem dor.

Dormir no útero

Outra questão abordada no relatório foi o estado de dormência do feto dentro do útero. Segundo estudos em fetos de cordeiros, o modelo preferencial para comparar o desenvolvimento embrionário humano, o ambiente uterino causa esse estado.

Vários factores podem explicar essa dormência, desde a temperatura do útero até à “presença de um ambiente químico que preserva um estado de inconsciência semelhante ao sono”, explica o relatório. As duas conclusões põem em causa a utilização de anestesia durante a interrupção da gravidez, uma prática utilizada nos hospitais ingleses.

Um segundo relatório, sobre as condições em que é legítimo interromper a gravidez devido a malformações no feto, não tira conclusões. “Não é realista produzir uma lista definitiva das condições que constituem desvantagens sérias, já que não existem técnicas de diagnóstico precisas.”

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