Falta “liderança central forte” contra o ébola, diz responsável dos Médicos Sem Fronteiras

Organização Mundial da Saúde está a preparar um plano de seis a nove meses para a luta contra a doença, que já chegou a todas as províncias da Libéria, o país mais afectado

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Carl de Souza/REUTERS

Sem mais intervenientes internacionais para lutar contra o ébola, não é possível conter a epidemia, avisou Joanne Liu, a directora internacional dos Médicos Sem Fronteiras. Falta uma “liderança central forte” com conhecimento para impor uma estratégia nacional, a nível de cada país, denunciou. A Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciou a preparação de um plano de luta contra o ébola para os próximos seis a nove meses.

O surto de ébola que tudo indica ter começado em Dezembro, na Guiné-Conacri, mas que se espalhou para a Libéria, a Serra Leoa e a Nigéria, está longe de estar controlado, principalmente na Libéria. Nesta sexta-feira descobriram-se dez casos novos no Sudeste do país, a única região que ainda estava livre do vírus hemorrágico que ainda não tem tratamento. “Era a última área intocada pelo ébola”, disse George Williams, secretário-geral do sindicato de serviços de saúde do país, citado pela AFP.

O surto já conta com 2615 casos e 1427 mortes, de acordo com os dados da OMS divulgados desta sexta-feira, que contabilizam número até 20 de Agosto. Os dados mais pormenorizados, de 20 de Agosto, mostram que a Libéria regista 1082 casos e 624 mortes. A Serra Leoa conta com 910 casos e 392 mortes. A Guiné-Conacri teve 607 casos e 406 mortes, enquanto a Nigéria conta apenas com 16 casos e cinco mortes. “Para ser franca, ninguém sabe quando é que este surto de ébola vai terminar”, declarou Fadela Chaib, porta-voz da OMS.

Uma das maiores dificuldades para combater este surto de febre hemorrágica é a falta de recursos humanos e de material. A OMS já admitiu estar com dificuldade em reunir profissionais de saúde para irem combater a doença. “A realidade é que o surto não será contido a não ser que haja mais parceiros”, explicou Joanne Liu numa entrevista à Reuters. “Neste momento, falta-nos tudo. Falta uma liderança central forte, com uma capacidade centralizadora ao nível de cada país e com capacidades de gestão de emergências causadas por doenças.”

Para tentar dar alguma ordem a estes esforços, a OMS está a trabalhar num plano operacional de luta contra o ébola. “Dá os detalhes de uma estratégia para a OMS e parceiros de saúde para os próximos seis a nove meses”, afirmou Fadela Chaib, em conferência de imprensa, citada pela Reuters.

É na Libéria que os problemas se revelam mais graves. “Diria que estamos agora num estado de medo global na Libéria”, explica a directora internacional dos Médicos Sem Fronteiras. “A necessidade mais premente é restabelecer o acesso aos cuidados médicos básicos. Se não, poderemos deparar-nos com a situação ridícula de termos mais pessoas a morrer de outras patologias do que do ébola.”

Com apenas 0,1 médicos e 2,6 enfermeiros e parteiras por 10.000 pessoas (a média em África é de 2,6 médicos e 12 enfermeiros e parteiras), o surto de ébola fez colapsar o sistema de saúde da Libéria, afirmou Joanne Liu, contando uma história terrível em Monróvia, a capital, que ilustra a situação do país: “Nesta semana, tivemos seis mulheres grávidas que caminharam horas pela cidade à procura de um lugar para terem os bebés. Quando chegaram ao nosso centro, que não era o local certo para se estar, os bebés já lhes tinham morrido nos úteros.”

A OMS confessou num comunicado que se desconhece a verdadeira magnitude do surto, especialmente na Serra Leoa e na Libéria. “Muitas famílias escondem nas suas casas entes queridos”, lê-se no documento. Na Libéria, acontece um fenómeno novo em surtos de Ébola: “Assim que um novo centro de tratamento abre, é imediatamente preenchido com pacientes, muitos deles não identificados. Este fenómeno sugere a existência de um número de casos invisível.”    

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