Extracto de planta medicinal é mais cancerígeno do que o tabaco

Se toma ervas medicinais, sabe exactamente o que contêm esses produtos? As aristolóquias, plantas trepadeiras que até há alguns anos eram usadas como ervas medicinais, têm uma substância que causa cancro nos rins.

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Aristolochia baetica, uma das várias espécies de aristolóquias DR

O ácido aristolóquico, extracto de plantas medicinais que há muitos séculos têm sido usadas na China para tratar a artrite reumatóide e outras inflamações, é mais cancerígeno do que o tabaco. Neste caso, provoca cancro do trato urinário, alertam dois estudos publicados nesta quarta-feira na revista Science Translational Medicine.

Este ácido presente em diversas espécies de aristolóquias já é bem conhecido pelos efeitos nocivos que provoca nos rins, podendo provocar tanto a falência destes órgãos como cancro. A Food and Drug Administration (FDA), a agência responsável pelos medicamentos nos Estados Unidos, lançou o primeiro alerta sobre o potencial cancerígeno destas plantas em 2001. E a Organização Mundial da Saúde já classificou o ácido aristolóquico como cancerígeno.

Por estas razões, a sua utilização como erva medicinal passou a ser proibida na Europa e nos Estados Unidos em 2001 e, em 2003, na Ásia, em países como o Japão e Taiwan. Apesar das proibições e alertas, esta erva ainda pode ser comprada através da Internet.

Os cientistas sabem há alguns anos que o ácido aristolóquico provoca mutações genéticas, que podem conduzir ao cancro no trato urinário. Os seus efeitos tóxicos e carcinogénicos tornaram-se evidentes na década de 1990, quando a administração de Aristolochia fangchi a 1800 mulheres na Bélgica, como tratamento para reduzir o peso, resultou em mais de 100 casos de falências renais.

Entretanto, nos Balcãs descobriu-se que as aristolóquias – que cresciam espontaneamente nos campos, contaminando depois os alimentos à base de trigo – eram um carcinogéneo ambiental, provocando cancro do trato urinário. Percebeu-se que misturados nos grãos de trigo iam também sementes de Aristolochia clematitis. Ficava assim esclarecida a origem de uma misteriosa doença conhecida por nefropatia endémica dos Balcãs, descrita nos anos de 1950 e que afectava apenas os habitantes das comunidades rurais na bacia do Danúbio.

Estudos mais recentes em Taiwan vasculharam uma base de dados sobre prescrições. Resultado: entre 1997 e 2003, a cerca de um terço da população foi receitado algum produto com Aristolochia, género que inclui várias espécies desta planta trepadeira.Taiwan tem, aliás, a taxa mais alta no mundo de novos casos por ano de cancro do trato urinário superior.

Fígado também afectado

Mas até agora ignorava-se a amplitude das mutações genéticas que o ácido aristolóquico é capaz de provocar. Margaret Hoang, do Hospital  Johns Hopkins, e colegas sequenciaram o genoma de cancros dos rins de 19 doentes de Taiwan que estiveram expostos ao ácido aristolóquico e de outros sete doentes com cancro renal que nunca estiveram expostos a esta substância.

Desta forma, os cientistas puderam identificar especificamente as mutações genéticas desencadeadas neste cancro –  concluindo que o ácido aristolóquico é responsável, em média, por 753 mutações em cada cancro analisado. Como comparação, os sete doentes que não tinham estado em contacto com o ácido aristolóquico apresentavam 91 mutações, em média.

A equipa de Margaret Hoang concluiu que este nível elevado de mutações é mais importante do que aquele que se encontra no melanoma, um cancro da pele provocado pela radiação ultravioleta, e no cancro dos pulmões provocado pelo tabaco.

A equipa de Song Ling Poon, do Centro Nacional do Cancro de Singapura, que sequenciou o genoma de cancros dos rins de nove doentes, também encontrou uma taxa elevada de mutações genéticas. Tal como a outra equipa, Song Ling Poon e os colegas consideram que essa taxa de mutações excede as do cancro dos pulmões associadas ao tabaco e as do melanoma associadas à radiação ultravioleta.

Além disso, as duas equipas identificaram exactamente a “assinatura molecular” deixada pelo ácido aristolóquico na molécula de ADN: ou seja, os danos que esta substância provoca no nosso património genético. Foi, aliás, através dessa assinatura que a equipa de Song Ling Poon também pôde concluir que o ácido aristolóquico provoca cancro do fígado. Isto porque, ao estudar o cancro do fígado de 93 doentes, encontrou essa mesma mutação genética provocada pelo ácido aristolóquico em 11.
 

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