Crónica: “Eu não sei”

Nos finais dos anos 1980 participei numa Escola de Verão sobre física de partículas na Escócia. Peter Higgs foi um dos professores a dar aulas nessa escola. As aulas decorriam num anfiteatro. Entre nós, sentados no anfiteatro, havia ainda outros professores que assistiam às aulas uns dos outros. E faziam perguntas.

Eu, simples aluna de doutoramento em física de partículas, ficava por vezes muito pequenina a ouvir perguntas muito inteligentes feitas por professores muito inteligentes a outros professores muito inteligentes. E numa destas aulas Peter Higgs era o professor. Da audiência surgiu uma pergunta. Muito inteligente.

Ele, Higgs, encostou-se ao quadro, mãos atrás das costas. Baixou os olhos, silêncio. Depois olhou para nós e disse pausadamente: “Eu não sei.”

Este profundo sincero “eu não sei” e o direito “a não saber”, vindo de Higgs foi o mais importante que poderia ter aprendido nessa escola. Porque é assim, saltitando de “não sei” em “não sei”, que se faz a história da física.

Professora associada do Departamento de Física e investigadora do CENTRA – Centro de Astrofísica, ambos do Instituto Superior Técnico  

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