Células que reagem ao enfarte dão pistas para a regeneração do coração

Equipa internacional com investigadores portugueses analisou a resposta das células progenitoras das fibras dos músculos cardíacos à cicatriz causada pelo enfarte de coração em ratinhos.

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Células progenitoras cardíacas cultivadas in vitro numa matriz com diferentes geometrias. As proteínas YAP e TAZ, a verde, estão maioritariamente no núcleo que está marcado a azul. O citoesqueleto das células está marcado a vermelho Mosqueira et al

Tudo começa com um bloqueio num vaso sanguíneo que alimenta as células musculares cardíacas com nutrientes e oxigénio. Ocorre um enfarte no coração, podendo haver uma dor forte no peito, braço e costas. As células morrem e naquela região forma-se uma cicatriz que põe em causa o bom funcionamento do coração. Uma equipa internacional de cientistas, que inclui portugueses, percebeu pela primeira vez como as células que dão origem às células musculares do coração reagem a esta cicatriz. Os resultados, publicados na revista ACS Nano, dão pistas para pensar-se na manipulação destas células para regenerar o coração após o enfarte.

“As alterações mecânicas do tecido cardíaco são pressentidas pelas células adjacentes à zona de enfarte através das proteínas YAP/TAZ”, explicou ao PÚBLICO Diogo Mosqueira, o primeiro autor do artigo, que fez a investigação no Instituto de Engenharia Biomédica (INEB) e no Instituto Nacional de Ciências Materiais, em Tsukuba, no Japão, durante o mestrado.

Durante o desenvolvimento do coração, as células progenitoras cardíacas são comandadas para se multiplicarem, para se diferenciarem em células do tecido vascular (os vasos sanguíneos ) e em células do tecido muscular, os cardiomiócitos , que são as fibras musculares que mantêm o batimento cardíaco.

Mas ainda se está longe de compreender que papel as células progenitoras têm no coração adulto. “Os resultados experimentais mais sólidos sugerem que essas células terão um papel na geração directa de cardiomiócitos apenas em situações de stress, quando há lesão ou envelhecimento [do tecido cardíaco]”, explica Diogo Mosqueira, que foi orientado pela investigadora Perpétua Pinto-do-Ó, que pertence ao grupo de investigação NEWTherapies do INEB, e também assina o artigo, ao lado de investigadores a trabalharem no Japão, liderados por Giancarlo Forte, Finlândia e noutros países.

O destino final de uma célula progenitora cardíaca depende de inúmeros sinais que caracterizam o microambiente onde está inserida. Há sinais biológicos transmitidos por células adjacentes e a matriz extracelular, constituída por várias moléculas complexas e que dá suporte às células, é por seu lado uma fonte de sinais mecânicos.

A forma como a célula progenitora lê, interpreta e reage a todos estes sinais ainda é desconhecida. Mas no enfarte do coração há uma mudança radical. As células que ficam sem acesso aos nutrientes e ao oxigénio morrem, mas a matriz extracelular continua lá, só que enrijece. A equipa foi estudar o efeito desta alteração da matriz sobre as células progenitoras que rodeiam a cicatriz. “A matriz extracelular é um elemento fundamental na regulação do destino celular, pois controla não só a sinalização bioquímica a que as células estão expostas, mas também as propriedades do microambiente em que as células estão inseridas”, diz Diogo Mosqueira.

É aqui que entra em cena a actividade da dupla de proteínas YAP/TAZ, explica o investigador, que dentro das células progenitoras lêem os sinais vindos da matriz extracelular. “As proteínas YAP e TAZ são dos principais responsáveis pela resposta das células a factores mecânicos e estruturais da matriz extracelular.” E, no coração dos mamíferos, provocam normalmente uma proliferação das células musculares cardíacas logo após o nascimento do animal.

Como estas proteínas desempenham a sua função no núcleo das células, local onde estão os cromossomas, que contêm o ADN, elas podem influenciar a expressão genética. Por isso, Diogo Mosqueira e a equipa foram procurar, em ratinhos, a actividade destas proteínas no núcleo das células progenitoras cardíacas após o enfarte.

“Verificámos que as proteínas YAP e TAZ são expressas no núcleo das células adjacentes à região do enfarte, ao passo que as células mais distantes da zona de enfarte apenas expressam estas proteínas no citoplasma”, explica o cientista. A equipa fez experiências in vitro onde confirmou que uma alteração na dureza da matriz celular alterava a expressão das duas proteínas nas células progenitoras: “Ficou demonstrado que as proteínas YAP e TAZ desempenham um papel crucial na percepção, pelas células progenitoras cardíacas, das propriedades mecânicas das superfícies onde são cultivadas – e que controlam portanto o destino celular.”

Nas experiências, os investigadores verificaram que estas células, depois de activarem a YAP e a TAZ, agarravam-se à matriz artificial de cultura. E quando essas células eram submetidas a certas condições, diferenciavam-se em células vasculares ou em fibras cardíacas.

“Existem indícios de que as células progenitoras cardíacas possam contribuir para gerar os cardiomiócitos que vão substituir os que morreram aquando de um enfarte. Ainda não é claro como esse processo poderá ser controlado”, diz o investigador. No entanto, acrescenta, esta descoberta revela que é a via de sinalização YAP/TAZ que se deve manipular para um dia conseguir-se regenerar aquele tecido a partir das células progenitoras. Como? “Desenhando nanomateriais que seriam transplantados na região do enfarte” ou “usando fármacos” que actuem naquela via de sinalização e façam com que as células-mãe percepcionem a matriz “como tendo as propriedades que mais favorecem a diferenciação cardíaca”.

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