Diferenças na sobrevivência ao cancro devem-se à capacidade de resposta dos países

Análise de mais de 25 milhões de doentes de cancro em 67 países, ao longo de 15 anos, conclui que há grandes assimetrias na sobrevivência por causa das capacidades de diagnóstico e tratamento.

Este estudo pode ajudar a melhorar os sistemas de saúde no combate às doenças oncológicas Sandra Ribeiro

Uma equipa internacional analisou a percentagem de sobrevivência de doentes a dez tipos de cancro e a sobrevivência de crianças a um tipo de leucemia, em 67 países, entre 1995 e 2009. O estudo é inédito pela abrangência geográfica e pelo período de tempo que abarca. E permitiu observar a evolução da sobrevivência cinco anos após o diagnóstico. Os dados sobre Portugal, incluído no estudo, mostram que houve melhorias globais durante esses 15 anos. Mas os resultados podem ser lidos no contexto mundial, onde há países que registam evoluções mais positivas para determinados tipos de cancro.

A razão por trás dos diferentes resultados está na capacidade de diagnóstico e de tratamento da doença, segundo os autores do estudo publicado nesta semana na revista científica The Lancet. Estas diferenças causam assimetrias grande entre continentes, entre países ou mesmo num país entre diferentes tipos de cancro. Mas a comparação pode ajudar a melhorar a resposta dos sistemas de saúde nacionais.

“A monitorização mundial da sobrevivência ao cancro deve tornar-se numa fonte de informação indispensável para os doentes de cancro e investigadores, e deve servir de estímulo para os políticos melhorarem a política de saúde e os sistemas de saúde”, concluem os autores no artigo. 

O artigo resultou do programa Concord-2, uma colaboração mundial de 500 investigadores para obterem e divulgarem informação sobre o cancro com o objectivo de ajudar as políticas nacionais e mundiais. Os resultados surgem também no contexto do objectivo da Assembleia-geral das Nações Unidas que, em 2011, definiu a meta de reduzir em 25% as mortes prematuras por doenças não transmissíveis até 2025. Os vários tipos de cancro incluem-se nesta categoria.

O novo trabalho inclui os dados de mais de 25,6 milhões de pessoas que tiveram um de dez tipos de cancro entre 1995 e 2009: estômago, cólon, recto, fígado, pulmão, mama, colo do útero, ovário, próstata e leucemia. E 75.000 crianças com leucemia linfóide aguda. O estudo usou 279 registros populacionais de 67 países diferentes. Alguns dos países, como Portugal, Reino Unido ou Canadá, forneceram dados estatais de toda a população. Mas os registros de outros países, como a China, a Índia ou a Rússia, eram regionais e representavam partes pequenas da sua população.

O período de tempo foi dividido em três quinquénios: 1995 a 1999; 2000 a 2004; e 2005 e 2009. A equipa internacional liderada por Claudia Allemani, da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres, avaliou a percentagem de doentes que morriam ao fim de cinco anos para cada cancro em cada quinquénio.

“As nossas descobertas mostram que nalguns países, o cancro é bastante mais letal do que noutros – em pleno século XXI não deveria haver um abismo tão dramático nesta sobrevivência”, disse a investigadora, citada num comunicado da revista The Lancet.

A leucemia linfóide aguda é um dos cancros que melhor demonstra esta assimetria. A sobrevivência ao fim de cinco anos após o diagnóstico para as crianças da Jordânia, do Lesoto, da Tunísia ou da Indonésia varia entre os 16% e os 50%. Enquanto numa criança com o mesmo cancro no Canadá, na Áustria ou na Alemanha, a sobrevivência é superior a 90%. “Esta descoberta confirma que [nos países em desenvolvimento] estamos perante grandes deficiências na capacidade de diagnóstico e de tratamento de uma doença que actualmente é curável na maior parte das vezes”, segundo o artigo.

A sobrevivência deste cancro foi a que mais subiu em Portugal, passando de 66,5% no primeiro quinquénio para 86,8% no terceiro quinquénio. Em geral, os valores de sobrevivência dos cancros em Portugal são consonantes com os da Europa. Os piores valores de sobrevivência no país são os do cancro do pulmão (12,8% no terceiro quinquénio), do fígado (15,6%) e do estômago (32,6%), semelhantes aos de outros países da Europa Ocidental.

No caso do cancro do estômago, o Ocidente poderá aprender com o Oriente, onde a sobrevivência a cinco anos varia entre os 50 e 60% no Japão e na Coreia do Sul, provavelmente graças a “uma actividade de diagnóstico intensa, um diagnóstico feito em estádios iniciais do cancro e a uma cirurgia radical”, explicam os autores. Por outro lado, nestes dois países a sobrevivência de leucemia em adultos é bastante mais baixa do que na Europa Ocidental, mostrando que não há países-modelos na resposta a todos os cancros.

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