Do Lagartagis ao Borboletário: Metamorfose perfeita?

As bolsas são temporárias e uma infraestrutura baseada apenas em bolseiras é um edifício com pés de barro.

O Borboletário, “jardim de borboletas” presente no Jardim Botânico do Museu Nacional de História Natural e da Ciência, da Universidade de Lisboa, comemora hoje o seu oitavo aniversário. A data coincide com o dia do Jardim Botânico que completa 136 anos. O jardim disponibilizou o espaço e facilitou os meios, mas a ideia e a responsabilidade científica do projecto foi da organização não governamental Tagis, Centro de Conservação das Borboletas de Portugal.

O Lagartagis, tal como foi inicialmente denominado, seria a primeira estufa de criação de borboletas da fauna Ibérica aberta ao público. A partir de 2011 este espaço passou para a responsabilidade do museu e tomou o nome de Borboletário, mantendo inalterada a sua missão ligada à Estratégia Nacional de Conservação da Natureza e da Biodiversidade, lançada em 2001 e revista em 2011. De lagarta(gis) passou a borboleta(rio), como na metamorfose perfeita. O Museu alberga, assim, nos seus espaços uma infraestrutura científica, com uma colecção de espécies de borboletas ibéricas, num jardim de plantas mediterrânicas, aberta ao público 7 meses no ano, mas sempre visível no “site” do jornal PÚBLICO.

Por esse mundo fora há jardins de borboletas exteriores, estufas de criação de borboletas algumas para investigação, a maioria para fins comerciais, mas exclusivamente de espécies tropicais, pelo tamanho e profusão de cores que estas espécies exibem, suscitando grande atracção por parte do público. O Borboletário é por isso a única infraestrutura científica que combina investigação e divulgação de borboletas autóctones (do local de origem), como, aliás, é digno de um museu de história natural, onde se encontra. Desde o início, assumiu como objectivos a promoção do conhecimento científico, da educação, formação e divulgação sobre as borboletas portuguesas e ibéricas. Isso requer um conhecimento especializado sobre as espécies e a sua interacção com as plantas que possibilitem a manutenção da colecção em cativeiro. O trabalho de bastidores é minucioso, interdisciplinar e científico porque implica saber colher na natureza os exemplares de borboletas e perceber como manter e criar em estufa, o que pressupõe, simultaneamente, o conhecimento sobre a projecção, organização e manutenção de um jardim de plantas mediterrânicas, seus hospedeiros. Para além desta missão científica, tem sido privilegiada a educação de diferentes públicos, a formação variada de técnicos, a consultoria para a replicação de projectos semelhantes a nível nacional e internacional e a divulgação, nomeadamente em vídeos e na Internet.

Esta colecção de borboletas vivas veio enriquecer o património natural conservado no Museu Nacional de História Natural e da Ciência, para além de contribuir para a estratégia de conservação da biodiversidade, obrigação de nível nacional. Tem proporcionado excelentes recursos, educativos, científicos e até artísticos nos mais variados sectores e idades. Tudo realizado com trabalho remunerado por bolsas de gestão científica que, felizmente, a Fundação para a Ciência e Tecnologia tem valorizado e financiado. Mas as bolsas são temporárias e uma infraestrutura baseada apenas em bolseiras é um edifício com pés de barro. Os cortes orçamentais, a restrição de recrutamento de investigadores e a ineficácia política para demonstrar, e entender, o impacto que estas estruturas têm na sociedade, são razões de fundo para justificar a falta de financiamento. Para além da qualidade e facilidade de acesso que as bases de dados digitais, os blogs e a Internet nos possam fornecer, nada substitui a exposição e divulgação do objecto vivo. Sobretudo, não se deve esquecer o papel da educação informal e dos espaços fora da sala de aula na motivação e sucesso escolar. Já no século XVIII, Luis António Verney escrevia “vale mais meia hora de vista que dez de ditames” (Verdadeiro Método de Estudar).

A metamorfose, para ser perfeita, tem de dar origem a um insecto adulto e saudável, que prossiga o seu ciclo de vida. A Lagarta(gis) que passou a Borboleta(rio) perecerá se não houver a possibilidade de se manter e procriar. Tal como todos os museus de história natural por esse mundo fora têm vindo a constatar, não bastam as exposições para serem apelativos e justificar o dinheiro que gastam. Antes, terão de desenvolver ciência, em áreas que complementem o que se faz nos centros de investigação e partilhar com eles o saber acumulado. É indispensável valorizar este tipo de infraestruturas científicas e arranjar parcerias que viabilizem a sua sustentabilidade. Orhan Pamuk (Nobel da Literatura 2006), durante a sua visita a Lisboa para receber o prémio europeu Helena Vaz da Silva, deixou alguns recados sobre a preservação da herança cultural europeia. Disse ele que os museus, mais do que olhar a história, deviam dedicar-se a pequenos detalhes da nossa vida quotidiana. Aumentar a sensibilidade e o conhecimento sobre a diversidade presente na natureza, são pequenos pormenores que poderão possibilitar a sustentabilidade do nosso planeta.

Professora Catedrática da Universidade de Lisboa

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