Cientistas portugueses querem fazer das corvinas o salmão dos países do Sul

Na Estação Piloto de Piscicultura de Olhão, os biólogos estudam a forma de produzir mais corvinas com menores custos em aquacultura. Acompanhámos uma das viagens dos peixes até ao mar.

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Transporte das corvinas para um camião Raquel Costa
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Jaula de corvinas a 2,5 milhas da costa. Raquel Costa
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Mergulhador a coser a rede da jaula Raquel Costa
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Um dos tanques da Estação Piloto de Piscicultura de Olhão Raquel Costa

O sol já brilha lá alto, o dia ainda mal começou mas o trabalho já vai avançado na Estação Piloto de Piscicultura de Olhão (EPPO), situada no Parque Natural da Ria Formosa. Dentro deste enorme edifício branco, muitos tanques redondos e rectangulares são a casa de corvinas, sargos, linguados e tantos outros peixes, enquanto no chão há poças de água. As salas de testes ficam perto: uma até tem microalgas verdes, vermelhas e amarelas suspensas em grandes sacos de plástico. Por toda a parte, há tubos e cabos e as temperaturas variam tanto que depressa faz frio como calor.

Já lá fora, mais de uma dezena de pessoas, algumas equipadas com galochas e fatos de borracha verdes, iniciaram os seus trabalhos por volta das seis da manhã. Cerca de duas horas depois, das 8000 corvinas que estavam a ser transportadas para uma jaula, localizada a 2,5 milhas da costa, já poucas restam nos tanques da estação piloto.

 É um trabalho de equipa. Dentro de outros tanques, quatro pessoas apanham os peixes com uma rede e depois colocam-nos em baldes. Os que ficam presos nos buracos das redes rapidamente se soltam. Os baldes vão passando para outras mãos, também já cansadas e suadas àquela hora da manhã. As corvinas saltitam, algumas chegam a cair para o chão e há salpicos de água por toda a parte. Estão a ser levadas para um camião, e aí colocadas noutros tanques.

O biólogo Pedro Pousão, coordenador da EPPO, vai relatando o que se está a fazer e, ao mesmo tempo, regista a azáfama com a sua máquina fotográfica. Desde que começaram estas experiências, esta já é a sétima vez que vão ao mar levar corvinas. No total, já transportaram para a jaula cerca de 60.000.

“As corvinas vão para a jaula quando têm cerca de 15 ou 20 gramas, um tamanho em que já não saem de lá. Estamos a falar de um animal aí com 20 centímetros”, explica Pedro Pousão. “Ficam na jaula até terem um tamanho comercial, que depois podemos escolher se será de um ou dois quilos.”

Com as corvinas, tudo começou de forma sistemática em 2010 na estação piloto, que pertence ao Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA). A estação tinha sido criada nove anos antes para investigação em aquacultura (ou piscicultura) e as primeiras corvinas ainda nasceram em 2009. A ideia subjacente a este projecto resume-se assim: as corvinas podem vir a ser o salmão dos países do Sul. “Começámos a trabalhar nas corvinas devagarinho em 2007 ou 2008”, diz Pedro Pousão.

Nesta altura, começaram com reprodutores selvagens, corvinas que foram apanhadas numa armação de atuns. Mais tarde, os investigadores foram também criando os seus próprios reprodutores e reproduzindo animais para poderem fazer vários testes a uma escala piloto, ou seja, pré-industrial.

“Fazemos estudos a nível da reprodução para ter a melhor qualidade e quantidade de ovos e ter animais o mais saudáveis possível. Estudamos todos os processos de crescimento”, conta o investigador, mencionando que para além destes ensaios, são feitos outros para ver o efeito da nutrição no crescimento dos animais.

“De forma simplista, o processo, desde a reprodução até à jaula, é de engorda. O animal reproduz-se, fazemo-lo crescer, engordamo-lo e, quando tem certo tamanho, metemo-lo na jaula”, explica Pedro Pousão, referindo que o trabalho da sua equipa não se resume só a esta tarefa. “Usamos os juvenis todos que temos aqui em vários processos diferentes, o procedimento na jaula é só um deles.”

O objectivo principal de todo este trabalho é obter números. É necessário saber quanto tempo os animais demoraram a crescer, quantos é que sobrevivem, quanto tempo demoram a atingir o tamanho comercial e de que forma tudo isto se traduz em custos. “Esses números são fundamentais para fazer modelos económicos”, conta Pedro Pousão. “A ideia é poder responder aos produtores quando cá vêm e fazem perguntas. Não pode dizer-lhes: ‘Isso não sei’”.

Um dia de jejum
Transferidos todos os peixes para outros tanques no camião, é altura de iniciar a viagem até ao porto de Olhão. Tanto por terra como por mar, é sempre preciso assegurar o fornecimento de oxigénio às corvinas e, durante todo o transporte, os níveis vão sendo medidos na água. As garrafas de oxigénio já estão ferrugentas, talvez de tanto uso.

Além deste cuidado, há outros a ter: primeiramente, os peixes têm de estar em jejum, neste caso 24 horas (a duração depende, por exemplo, da temperatura da água). Assim, os animais não produzem excreções e não poluem a água. Há ainda que determinar quantos peixes e quantos quilos em cada metro cúbico se podem transportar. “Ontem às oito e meia da noite, ainda se faziam aqui contas de quantos peixes podiam ir”, conta o investigador.

O camião estaciona no porto de Olhão, há gaivotas por todo o lado e o barco Aragão, da empresa Tunipex, está à espera das corvinas. Inicia-se uma nova tarefa: uma grua tira os tanques com as corvinas do camião e depois coloca-os na embarcação.

Em cima do camião, uma mulher cheia de força prende os cabos dos tanques à grua. Entre os cientistas, circulam perguntas e comentários. “Está muito cheio?”, grita alguém, para saber da quantidade de água nos tanques. “Um bocadinho”, dizem-lhe, e esvazia-se um pouco.

Já no barco, os quatro tanques ainda vão fazer mais de uma hora de viagem até ao destino final, a jaula. Mede-se de novo o oxigénio e troca-se a água dos tanques (que era da ria Formosa) por água do mar, uma vez que a composição é diferente. Também é preciso garantir que não há choques térmicos. “A água da ria é mais quente”, refere Pedro Pousão.

Por fim, a jaula meio submersa. Com 3200 metros cúbicos, 18 metros de profundidade e capacidade para 90 toneladas de corvinas — animais até 1,5 quilogramas —, a jaula suporta condições adversas do mar. “O bocado que está a ver tem outro igual para baixo. Olhe para ali”, aponta Pedro Pousão para o fundo do mar.

Um tanto inclinada, a jaula destaca-se na imensidão do mar. Tem redes velhas, acastanhadas pelo tempo. O topo está ferrugento e há várias cordas e bóias penduradas. Ao nosso lado, dentro das redes da jaula, já nadam milhares de corvinas e mais umas quantas estão agora prontas a juntarem-se a elas.

Pedro Pousão salienta que esta investigação das corvinas é pioneira em Portugal. Hoje, há três empresas no país a produzir corvinas em aquacultura para fins comerciais — dois na ria de Aveiro e outro em Sines.

Nos países mediterrânicos, especialmente em Espanha, Grécia e Turquia, a corvina tem despertado grande interesse e também se está tanto a produzi-la como a fazer estudos. Em Portugal, em 2012 produziram-se apenas 11 toneladas de corvinas em aquacultura (e 403 toneladas foram pescadas). Os números da corvina de aquacultura são uma minúscula gota de água nos valores globais de peixes produzidos desta forma no país: as 11 toneladas de 2012 são parte das 11.000 toneladas de peixes obtidos desta maneira nesse ano.

“É uma espécie que está a começar a fazer o seu caminho. Foi identificada como tendo potencialidade para crescer”, diz Ana Rita Berenguer, subdirectora dos Recursos Marinhos. “A aquicultura em Portugal tem tido um crescimento modesto. Este sector está identificado como prioritário e queremos que dê um contributo importante no fornecimento de pescado”, acrescenta.

Voltando ao mar, por fim chega o grande momento, os investigadores ficam a postos. Um mergulhador atira-se ao mar e começa a cortar a rede da jaula. “É mais fácil cortar a rede do que andar à procura da saída”, explica Pedro Pousão.

Mais uma vez, uma grua levanta os tanques. Num orifício que têm, coloca-se um tubo amarelo largo, por onde as corvinas começam finalmente a correr até ao mar. Em minutos, chegam à sua nova casa. Mais três vezes, e tudo está acabado. O mergulhador volta a ir para a água, chega a altura de fechar a jaula: a rede é cosida, como se de um simples ponto de costura se tratasse.

O Aragão não parte logo. Ainda há tempo para admirar o trabalho feito. Passado minutos, afasta-se devagar. No rosto de cada um, transparece o sentimento de missão cumprida.

A partir de agora, com a parceria da Tunipex, as visitas às corvinas na jaula serão feitas por esta empresa: têm de ser alimentadas com rações granuladas, seis dias por semana.

Poupar os peixes selvagens
O biólogo não tem dúvidas de que as corvinas, como afirmou em tempos e a deixa foi recentemente aproveitada pela actual ministra da Agricultura e do Mar, Assunção Cristas, podem vir a ser o salmão dos países do Sul. “O salmão é transformado em diferentes formas de apresentação. Mas nós temos de nos cingir ao peixe que temos aqui, que cresce bem, que é robusto, que aguenta os transportes e pode ser descarregado para a jaula por um tubo e que aproveita o alimento que lhe damos”, frisa Pedro Pousão.

Para captar investimento estrangeiro para a aquacultura, Assunção Cristas repetiu a ideia de ligação entre a corvina e o salmão em Junho: “A corvina é conhecida como o salmão do Sul, pelo que faz sentido irmos ao encontro de uma grande empresa que faz salmão do Norte e perguntar-lhes se não estarão interessados em vir para o nosso país, seja fazer bivalves, seja fazer corvina, ou outras espécies de peixe.”

O biólogo retoma a explicação: “Hoje temos uma boa oferta de salmão e esperamos, com a corvina, que também possa ser assim. Da mesma maneira que o salmão tem todos esses aproveitamentos no Norte da Europa, nós aqui no Sul faríamos isso com a corvina, pensando não só no animal inteiro como em posta.”

A Comissão Europeia tem dito, aliás, que tenciona promover a aquacultura na Europa, uma vez que o aumento da população mundial aumenta a procura de peixe, o que exerce grande pressão sobre os recursos marinhos. Sem aquacultura, na visão da Comissão Europeia, a sustentabilidade a longo prazo das populações de peixes selvagens pode estar ameaçada.

“Entre a corvina, o robalo, o sargo, o pargo, a dourada e outras espécies, a mais resistente é a dourada, mas cresce devagar. Ora, a corvina cresce mais depressa e tem um sabor bastante bom. Então, pode-se manter a dourada e o robalo como peixe inteiro e apostar na corvina para filetagem”, explica Pedro Pousão.

No final de 2015, este estudo estará terminado. E as corvinas serão doadas ao Banco Alimentar. “Não queremos lucro disto, queremos saber quanto é que custa produzi-las. O peixe que daremos ao Banco Alimentar será rigorosamente igual ao de qualquer supermercado”, refere.

Outros estudos se seguirão. “Conseguimos fazer com que a corvina se reproduza e cresça. Mas isto não pára aqui, é como uma investigação em medicina. Agora queremos avançar com coisas mais finas ao nível da reprodução, da genética e nutrição. Sempre com a mesma ideia: diminuir o custo de produção e melhorar o crescimento.”

Texto editado por Teresa Firmino

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