Coimbra Genomics aposta na medicina personalizada com parcerias em cinco países

Empresa portuguesa inventou software que dá informação relevante para consultas médicas com base na genética do doente. Parcerias com Alemanha, Brasil, Estónia, Israel e Portugal são alavanca para chegar aos mercados internacionais.

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O físico Bruno Soares é o director-executivo da empresa com sede em Cantanhede DR

O uso da informação genética de cada doente para o diagnóstico e o tratamento das doenças passou a ser uma possibilidade real desde que se concluiu a sequenciação do genoma humano, em 2003. Agora, a empresa portuguesa Coimbra Genomics assinou parcerias com instituições de cinco países para pôr em prática esta ideia. Como? Usando um software que analisa a sequência genética de cada doente e dá informação sobre a sua susceptibilidade para certas doenças e medicamentos.

O software, chamado Elsie, é uma plataforma informática que só pode ser usada no contexto clínico, necessitando da autorização do médico e do doente. “É uma ferramenta de suporte à decisão clínica”, explica ao PÚBLICO Bruno Soares, director-executivo da Coimbra Genomics, que está integrada no cluster de empresas do Biocant – Centro de Inovação em Biotecnologia, que fica em Cantanhede.

A empresa nasceu em 2013 com o investimento das empresas Critical Ventures e Portugal Ventures. O conselho de administração inclui o físico Carlos Fiolhais, o director do Biocant, Carlos Faro, e Gonçalo Quadros, director da empresa Critical Software. Nos últimos dois anos e meio, a empresa gastou 1,1 milhões de euros na construção do Elsie (um dos nomes da famosa cientista inglesa Rosalind Elsie Franklin, que contribuiu para a descoberta da estrutura da molécula de ADN, em 1953), explorando o complexo mundo da genómica e extraindo a informação que pode ser relevante para a medicina.

O anúncio de hoje é o passo seguinte. A empresa fez parcerias com hospitais na Alemanha, no Brasil, em Israel e em Portugal, e integra ainda um estudo-piloto na Estónia. Desta forma, irá testar a tecnologia com os médicos, para depois ser comercializada. “Temos a intenção de entrar em operação comercial já no primeiro semestre de 2016”, antecipa Bruno Soares, que é doutorado em física.

Colesterol e dores musculares
A informação em bruto obtida na descodificação do genoma é a sequência das “letras” que compõem a longa molécula de ADN. Uma parte importante destas letras não codifica nenhum dos cerca de 20.000 genes da espécie humana. E para muitos destes genes não se conhece, pelo menos por agora, importância para a saúde. Além disso, em muitos casos, a susceptibilidade a uma doença depende de vários genes. Tudo isto dificulta a possibilidade de se tirar conclusões médicas a partir da informação genética.

Para já, a equipa de seis pessoas da Coimbra Genomics (que inclui doutorados em genética, biologia bioinformática e informática) reuniu 30 perguntas – em áreas como a cardiologia, neurologia, pneumologia, gastroenterologia, hematologia, oftalmologia, reumatologia, medicina interna, pediatria e a geriatria –, a que o Elsie dá resposta. “O médico terá de fazer perguntas específicas. Não pode fazer perguntas abertas”, diz o empresário.

Uma das perguntas é sobre as estatinas, os medicamentos contra o colesterol. Há uma parte da população que reage mal a estas moléculas, devido à sua genética, e tem problemas musculares. Se um doente tiver o seu genoma sequenciado, o software Elsie poderá aceder a essa informação e indicar imediatamente se corre algum risco de usar as estatinas.

“Para perguntas mais complexas sobre doenças, o relatório só é entregue no dia seguinte”, acrescenta Bruno Soares. “O Elsie olha para o código genético do doente e produz um relatório que diz que, em certos estudos, um doente com uma determinada variação genética tem tais características.”

Caberá ao médico interpretar a informação. A empresa pretende que o relatório seja de fácil leitura. Desta forma, o médico não terá de estar a par do último gene que a ciência associou a cada doença, defende Bruno Soares. Esse será o trabalho da Coimbra Genomics, que terá de se manter actualizada. É esta aposta que permitirá fazer crescer o potencial do software. Bruno Soares antecipa que o Elsie poderá responder a “milhares de perguntas daqui a cinco anos”.

Para a pergunta ser realizada, o médico terá de aceder ao software com uma password e, tanto ele como o doente, terão de introduzir no computador uma “chave física”, para já será uma pen digital. Deste modo, nem o médico poderá conhecer a informação genética de um doente às escondidas, nem o doente poderá saber se tem alguma predisposição para doenças fora de um contexto clínico.

Por cada pergunta que o médico faça ao Elsie, o doente terá de pagar “algumas dezenas de euros”, diz Bruno Soares – o valor ainda não foi definido.

As parcerias vão servir como “demonstrações do sistema”: na Alemanha, a empresa vai introduzir o software na clínica “Preventicum”, em Essen, e na Ruppiner Kliniken, na região de Berlim-Brandeburgo; no Brasil, será no Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo; em Israel, no Centro Médico Rambam, em Haifa; e em Portugal, no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra.

Só os doentes que têm o genoma sequenciado é que poderão tirar proveito deste serviço, o que dependerá do dinheiro que cada um tem. Bruno Soares argumenta que a sequenciação do genoma é cada vez mais barata, e lembra que em Portugal o Sistema Nacional de Saúde já participa neste exame em casos particulares.

A Estónia tem o objectivo de sequenciar o genoma de 20% da sua população, para se colocar na dianteira da investigação na genómica. É neste contexto que a Coimbra Genomics integra o estudo-piloto Iniciativa de Medicina Personalizada da Estónia.

Desta forma, a empresa quer mostrar ao mercado internacional que tem “algo muito útil, seguro e inovador”, defende Bruno Soares: “Espero um crescimento muito rápido na fase posterior.”

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