Cientistas mergulham à procura dos segredos das grutas de Sagres

Biólogos da Universidade do Algarve estão a explorar a biodiversidade e a geologia das cavernas marinhas e também dos recifes profundos de coral. Têm em vista a conservação destes habitats.

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Cientistas vão estudar corais, esponjas, crustáceos e peixes Ricardo Nobre
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Coral Dendrophyllia ramea, que costuma viver abaixo dos 25 metros de profundidade, sem luz natural: na Catedral, existe aos oito metros, o registo mais baixo que se conhece Ricardo Nobre
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Bloco no interior da gruta Catedral, coberto de esponjas, corais, equinodermes e cnidários GUE
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Cientistas mergulharam nos túneis da gruta, a uma profundidade máxima de 16 metros GUE
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Em maré baixa, a entrada da Catedral é visível do barco GUE
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Parte de um coral vermelho apreendido pela Polícia Marítima em 2012 DR

Na Catedral não se reza. Mergulha-se de lanterna em punho à procura de corais, esponjas, crustáceos e peixes, e tiram-se medidas às rochas, numa espécie de raio-x subaquático. Nesta gruta da costa de Sagres ainda se escondem muitos segredos e há um grupo de investigadores da Universidade do Algarve (UAlg) que quer desvendá-los.

João Rodrigues é um dos responsáveis por esta “caça ao tesouro”. O biólogo marinho da UAlg, especializado em grutas, é o autor do Projecto sobre a Vida nas Grutas Marinhas, que envolve mais três investigadores. O objectivo é mapear a biodiversidade e a geologia de grutas marinhas, com vista à conservação destes habitats de difícil acesso, sobre os quais se sabe ainda muito pouco.

Em Sagres, vão ser estudadas três grutas: depois da Catedral, os cientistas vão mergulhar na caverna conhecida como Segredo do Segredo e na Queijo Suíço. Mas o projecto, que dura três anos, prevê também o estudo das grutas marinhas das costas irlandesa e italiana, para comparar resultados.

Se a maré estiver baixa, a entrada para a Catedral vê-se do barco. Esta é uma gruta escavada no fundo da falésia, com túneis e galerias completamente submersas (com profundidade máxima de 16 metros) e outras em que o tecto — de onde escorrem estalactites que parecem chocolate derretido — está a cerca de 15 metros da superfície da água.

“Há zonas de caverna onde conseguimos ficar a seco e aceder a uma praia de calhau rolado, penetrando 120 metros para dentro da rocha”, diz João Rodrigues, que fez esta semana mergulhos de exploração. O primeiro, na terça-feira, durou 102 minutos.

Os mergulhadores — apetrechados com fatos que não deixam entrar água, lanternas potentes e duas garrafas de ar — recolheram amostras de espécies de fauna e flora e fizeram anotações que lhes vão permitir fazer uma cartografia detalhada do espaço a três dimensões. “Vamos conseguir mapear a distribuição das espécies e relacioná-la com o mapeamento geológico da gruta”, explica o biólogo.

O primeiro estudo desta gruta foi realizado há 20 anos pelo biólogo marinho Luiz Saldanha (falecido em 1997). Desde então, diz João Rodrigues, as alterações das correntes, da temperatura da água e do clima trouxeram para este habitat novas espécies, também fruto da confluência entre o Mediterrâneo e o Atlântico.

Com esta exploração, os cientistas da UAlg querem responder a várias perguntas sobre a formação daquele espaço (que terá ocorrido há cerca de 18 mil anos) e as espécies que nele habitam — algumas eventualmente desconhecidas para a comunidade científica e outras que usam a gruta como berçário. “Se encontrarmos espécies em vias de extinção, ou cuja população esteja a decrescer devido à pesca ilegal que continua a fazer-se nesta área protegida, podemos propor medidas especiais de conservação”, exemplifica João Rodrigues.

Os cientistas vão também procurar infiltrações de água doce, uma vez que foram já identificadas zonas de haloclina — nome dado à mistura entre água doce e salgada. A equipa de João Rodrigues ainda não sabe qual a origem desta água doce, mas acredita que poderá localizar o aquífero durante a investigação.

O projecto da UAlg envolve investigadores do Centro de Ciências do Mar, do Centro de Investigação Marinha e Ambiental e do Centro de Mergulho Científico. Tem também apoio da Global Underwater Explorers (GUE), uma organização internacional dedicada ao ensino do mergulho e à exploração e preservação do meio aquático, que tem em curso uma expedição no âmbito do projecto Baseline. Esta iniciativa de conservação ambiental dá apoio logístico e científico a projectos como o de João Rodrigues. Assim, ao largo de Portimão está ancorado, até sábado, um navio equipado com alta tecnologia subaquática, como mini-submarinos e uma câmara hiperbárica.

Nesta expedição internacional, Portugal é só um dos pontos de passagem: começou nas Baamas, passou pela Florida (EUA) e já esteve nos Açores — onde os cientistas acreditam ter encontrado uma nova espécie de coral negro, até então desconhecida. No sábado parte para o Mediterrâneo.

Proteger o “ouro vermelho”
Através do Baseline, a GUE apoia ainda outro projecto: o Recifes Profundos, que é liderado por Joana Boavida, bióloga marinha da UAlg. Consiste no estudo e mapeamento da biodiversidade dos habitats marinhos profundos (dos 30 metros até aos 100 metros), só que em vários locais ao longo da costa portuguesa.

Entre as espécies estudadas estão corais, animais que vivem presos no fundo do mar e crescem muito devagar, servindo de refúgio e de alimentação para peixes e cefalópodes. É o caso do coral vermelho (Corallium rubrum), endémico do Mediterrâneo e raro na costa atlântica. Parece um pequeno arbusto vermelho muito resistente, está ameaçado pela apanha ilegal para a joalharia — por ser tão precioso, é conhecido como “ouro vermelho”.

Há dois anos, três portugueses e três espanhóis foram detidos pela Polícia Marítima de Lagos quando capturavam ilegalmente coral vermelho, a 90 metros de profundidade — tinham até uma câmara hiperbárica na embarcação. A polícia apreendeu--lhes 32 quilos de coral. Um quilo pode render 1000 euros (em bruto) a 30 mil euros (trabalhado).

“Em Portugal, não se sabia bem que a espécie existia, por isso esta apreensão foi uma novidade”, diz Joana Boavida. Foi depois deste episódio que a bióloga começou a estudar os recifes de coral vermelho entre Portimão e Lagos, ecossistemas frágeis que se encontram a 80-90 metros de profundidade. Segundo a investigadora, algumas colónias já estudadas terão entre 70 e 100 anos.

“Estudamos a fauna associada, através de vídeo, para identificar as espécies que vivem no coral. Estamos a mapear toda a área onde se encontra e a comparar geneticamente esta espécie com a do Mediterrâneo”, explica a bióloga. Uma das finalidades do projecto Recifes Profundos é concluir, até ao final do ano, uma proposta de criação de área marinha protegida entre Portimão e Lagos, para garantir a conservação do coral naquela zona da costa algarvia.


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