Identificada uma bactéria que ajuda a emagrecer de forma significativa

Estudo com gémeos humanos mostra que a hereditariedade influencia a existência de certas bactérias no nosso microbioma. E uma dessas bactérias levou ratinhos a perderem peso.

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Os comediantes norte-americanos Stan Laurel e Oliver Hardy, ou o Estica e o Bucha: as bactérias também influenciam a massa corporal DR

A flora intestinal será tão antiga quanto o aparecimento do próprio sistema digestivo. Se se pensar só nos cordados, que inclui animais como os peixes e os mamíferos, então poderemos estar a falar de uma história com mais de 500 milhões de anos de micróbios a ocupar um habitat que parece inexpugnável — o nosso tubo digestivo.

Não é de espantar, por isso, que se tenham desenvolvido relações estreitas entre nós e estes minúsculos habitantes. Há investigações científicas que mostram que as mães passam as bactérias da sua flora intestinal aos filhos através do leite materno. Mas a extensão desta relação continua a surpreender os cientistas. Agora, descobriu-se que a genética humana tem um papel na variedade dos microorganismos da flora intestinal, segundo um artigo publicado ontem na revista Cell.

Uma das bactérias que depende desta hereditariedade está associada a pessoas com menos peso, mostrou ainda esta equipa, com cientistas dos Estados Unidos e do Reino Unido. Segundo uma experiência destes investigadores, quando se adiciona esta espécie de bactéria, a Christensenella minuta, à flora intestinal dos ratinhos, estes emagrecem. O estudo pode ajudar a desenvolver, no futuro, tratamentos probióticos — à base de bactérias —, contra a obesidade.

“Até agora, a variação na abundância dos micróbios no tubo digestivo tem sido explicada pela dieta [das pessoas], pelo seu estilo de vida e pela sua saúde”, explicou Ruth Ley, uma das autoras do estudo da Universidade de Cornell, Nova Iorque, citada num comunicado do grupo editorial da Cell. “Este é o primeiro estudo que conclui de forma segura que certos tipos de micróbios são hereditários — a sua variação na população é em parte devida à variação genética, e não é simplesmente devida à influência ambiental.”

Os cientistas conseguiram demonstrar esta variabilidade através de um estudo comparativo entre gémeos humanos verdadeiros e falsos. Enquanto os gémeos verdadeiros são clones naturais (um óvulo fertilizado por um espermatozóide divide-se e separa-se, desenvolvendo-se dois embriões com o mesmo genoma), os gémeos falsos têm um genoma diferente porque surgem quando uma mulher ovula dois ovócitos e cada um é fertilizado por um espermatozóide diferente. Do ponto de vista genético, são dois irmãos normais.

Mas ao contrário dos irmãos normais e tal como os gémeos verdadeiros, os gémeos falsos partilham o mesmo ambiente desde o útero. Por isso, é possível investigar a importância da genética na variação da flora intestinal entre gémeos verdadeiros e gémeos falsos.

A equipa analisou 1081 amostras de fezes de 977 indivíduos inscritos na base de dados Twin UK, do King’s College de Londres. No estudo, integraram 171 pares de gémeos verdadeiros, 245 pares de gémeos falsos e 143 pessoas com irmãos gémeos. Os cientistas recolheram ainda amostras ao longo do tempo de 98 dos 977 indivíduos. A maioria eram mulheres, entre os 23 e os 86 anos. Em relação à obesidade, 433 pessoas tinham o índice de massa corporal (IMC) entre o baixo e o normal, 322 tinham peso a mais, 183 eram obesas e o IMC era desconhecido para 39 indivíduos.

Os resultados genómicos mostram que a flora intestinal desta população tinha “um perfil de diversidade tipicamente ocidental”, segundo o artigo. A análise encontrou ADN de 9646 tipos diferentes de microorganismos. Destes, 768 estavam presentes em 50% das amostras.

Em geral, o microbioma intestinal tinha mais semelhanças na mesma pessoa entre duas análises feitas em momentos diferentes do que entre duas pessoas diferentes. E tinha mais semelhanças entre gémeos do que em duas pessoas sem parentesco familiar entre si.

Mas em certas famílias de bactérias — como a Lachnospiraceae, a Ruminococcaceae ou a Christensenellaceae, a que pertence a espécie Christensenella minuta —, a flora intestinal apresentava mais semelhanças entre pares de gémeos verdadeiros do que entre gémeos falsos. “A abundância de membros específicos do microbioma do tubo digestivo é influenciada, em parte, pela constituição genética do hospedeiro”, defendem, por isso, os autores, que não conseguem explicar como acontece esta influência da genética sobre os micróbios.

No entanto, quando analisaram a existência da Christensenella minuta tendo em conta o índice de massa corporal das pessoas, descobriram que a bactéria estava mais presente nas pessoas magras ou com peso normal. Por fim, os cientistas resolveram adicionar a bactéria à flora intestinal de ratinhos. O grupo de roedores que recebeu a Christensenella minuta teve reduções “significativas” de peso, segundo os autores. Mas está ainda por explicar este efeito anti-obesidade.

Assim sendo, Ruth Ley defende que a análise da flora intestinal das famílias pode vir a ajudar a prever o risco de doenças. Além disso, estes dados podem também ser importantes para combater essas doenças: “Ao compreendermos a natureza da nossa ligação com estas bactérias associadas à saúde, podemos vir a usá-las para promover a saúde.”     
 

Notícia corrigida às 09h55 de 7 de Novembro de 2014: retirada a referência às esponjas.

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