Cientistas alertam para risco de saúde pública na caça de javalis

Pela primeira vez, bactérias responsáveis pela doença de Lyme foram detectadas nestes animais.

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Recolha de carraças em javalis abatidos em montarias DR

Investigadores portugueses alertam para os riscos de saúde pública na caça aos javalis, considerados reservatórios potenciais das bactérias responsáveis pela doença de Lyme, que é transmitida pelas carraças e causa fadiga generalizada, dores de cabeça, dores musculares, febre ou até paralisia facial, entre outros sintomas. Este alerta resulta da detecção em javalis, pela primeira vez a nível mundial, dessas bactérias por uma equipa do Centro de Investigação e de Tecnologias Agroambientais e Biológicas (CITAB), da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), e do Instituto de Higiene e Medicina Tropical (IHMT), da Universidade Nova de Lisboa.

Dados da Organização Mundial da Saúde e do Centro Europeu para a Prevenção e Controlo das Doenças indicam que, nos últimos 20 anos, foram detectados na Europa mais de 360 mil casos da doença de Lyme (ou borreliose de Lyme), que afecta o sistema nervoso central, entre outros sistemas e órgãos, com sintomas semelhantes aos da esclerose múltipla e até da fibromialgia.

“A infecção ocorre através da mordedura de uma carraça infectada que habita áreas florestadas. Por exemplo, durante a caça ao javali, assim que o animal é morto, a carraça procura imediatamente um novo hospedeiro”, explica Maria das Neves Paiva Cardoso, do CITAB, citada em comunicado da UTAD divulgado esta terça-feira.

Os cientistas alertaram para o “risco elevado de saúde pública”, não só para os caçadores mas também para as pessoas que trabalham ou efectuam actividades de lazer ao ar livre em espaços agro-florestais. Por isso, para evitar o contágio, os cientistas recomendam que os caçadores manipulem os animais com luvas, coloquem as meias por fora das calças e, quando chegam a casa, verifiquem se têm carraças no corpo, pedindo nomeadamente a uma outra pessoa que os examine. Já os cães devem estar desparasitados externamente e utilizar coleiras repelentes.

“Outro problema é que, depois do leilão [dos animais abatidos], os caçadores transportam o javali dentro do carro, que, muitas vezes, é a viatura da família. As carraças vão ficar no jipe e podem lá sobreviver durante vários meses”, afirmou a investigadora.

Considerado “inédito, o estudo revelou a presença de ADN das bactérias em três dos 90 javalis analisados. “Os dados agora conhecidos são muito promissores e um estímulo para prosseguir a investigação da borreliose de Lyme, de modo a conhecer-se mais sobre o modo de transmissão da bactéria aos humanos e animais domésticos e selvagens, e com vista à redução dos riscos para a saúde pública”, referiu por sua vez Maria Luísa Vieira, do IHMT. Esta descoberta, salientou esta investigadora, “era perseguida há anos, e sem sucesso, por várias equipas de investigadores estrangeiros”.

“A borreliose de Lyme é uma doença subdiagnosticada no país e por isso pouco reportada”, informou ainda Maria Luísa Vieira. Em Portugal, o diagnóstico de referência da doença faz-se apenas no IHMT e no Instituto Nacional de Saúde, em Lisboa.

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