Cientista japonesa não consegue repetir técnica que produz células estaminais e demite-se

Durante três meses, Haruko Obokata tentou voltar a produzir células STAP sem sucesso, depois de um ano de polémica e de acusações de fraude. Instituto japonês encerra experiência.

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Haruko Obokata esteve no epicentro da polémica das células STAP Kyodo/Reuters

Uma das maiores polémicas do mundo da ciência de 2014 parece ter chegado ao seu capítulo final. O Centro RIKEN de Biologia do Desenvolvimento de Kobe, o instituto japonês de onde surgiu em Janeiro a notícia de uma nova e simples técnica para criar células estaminais, desistiu de tentar repetir este método. E a cientista japonesa Haruko Obokata, a principal autora do trabalho, demitiu-se nesta sexta-feira.

“Nem consigo encontrar as palavras para pedir desculpas”, escreveu a cientista de 31 anos, num comunicado citado pela BBC.

Tudo começou a 29 de Janeiro quando dois artigos na revista científica Nature mostravam uma nova técnica para criar células estaminais a partir de células adultas.

As células estaminais são uma espécie de santo graal da biomedicina. Ao contrário das células adultas, elas podem gerar em teoria todos os tipos de tecidos do corpo, tal como as células estaminais embrionários no início do desenvolvimento embrionário. Os cientistas acreditam que as células estaminais poderão vir a ajudar a regenerar órgãos e a curar doenças.

No entanto, a técnica para desenvolver este tipo de células a partir de células adultas é complicada. Por isso, os artigos assinados pelos cientistas do Centro RIKEN com contribuição de investigadores de outros países eram tão prometedores. Neles era descrito a técnica das “células STAP”, a sigla em inglês de “aquisição de pluripotência desencadeada por um estímulo”.

O estímulo era um banho acídico dado às células adultas de mamíferos que, supostamente, fazia reverter estas células a um estado não especializado, tornando-as em células estaminais.

A revista científica Science já tinha recusado a publicação destes artigos. Quando recebeu pela primeira vez os artigos para publicação, a própria Nature tinha pedido grandes revisões aos manuscritos, mas publicou-os só com algumas alterações, avança o serviço noticioso  da própria Science.

Os resultados e a técnica foram recebidos com espanto pela comunidade científica. Além de ter havido críticas às imagens publicadas nos artigos, cientistas tentaram replicar a técnica e não conseguiram obter os mesmos resultados, aumentando a desconfiança em relação à eficácia da técnica.

As críticas de fraude levaram tanto o Centro RIKEN como a Nature a escrutinarem todo o trabalho. E as notícias foram sucedendo-se. Logo em Março, um co-autor do trabalho disse que os dois artigos tinham erros cruciais. No mês seguinte, Haruko Obokata pediu desculpas por erros na apresentação dos resultados, mas garantiu que a técnica funcionava. No entanto, em Maio já aceitou retirar de publicação um dos dois artigos, considerado secundário, e em Junho o artigo principal, que descreve a técnica propriamente dita.

Finalmente, no início de Julho, a própria Nature retirou os dois artigos sobre a técnica. “Os problemas que surgiram no início não minavam basicamente as conclusões dos artigos (…), mas desde o inquérito lançado pelo RIKEN que se tornou claro que dados essenciais para as afirmações dos autores tinham sido apresentados de forma enganosa”, lia-se no editorial publicado pela revista científica britânica.

Em Agosto, Yoshiki Sasai, cientista sénior e um dos autores dos artigos, suicidou-se. O investigador de 52 anos tinha sido hospitalizado em Março devido ao stress associado à polémica. O suicídio ensombrou ainda mais o caso.

Desde Setembro que Haruko Obokata tentou repetir a técnica das células STAP num laboratório com vigilância, segundo o jornal norte-americano New York Times. Mas não voltou a conseguir repeti-la, de acordo com a conferência de imprensa dada na sexta-feira pelo centro japonês.

“Conduzimos experiências de verificação mas não conseguirmos repetir o fenómeno das STAP”, disse Shinichi Aizawa, na conferência, investigador do centro responsável pela equipa que supervisionava as experiências de verificação. “Como resultado, vamos terminar as experiências”, acrescentou, citado pela BBC News.

Shinichi Aizawa explicou ainda que uma interpretação errada de um sinal de fluorescência nas células estimuladas com o banho acídico poderá ter levado Haruko Obokata a pensar que tinha obtido células estaminais, segundo a notícia da Science.

“Trabalhei muito durante três meses para mostrar resultados significativos, mas estou tão exausta e extremamente perplexa”, escreveu Haruko Obokata, que não esteve presente na conferência de imprensa. “Estou profundamente consciente da minha responsabilidade por ter incomodado algumas pessoas devido à minha inexperiência.”

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