Ciência cidadã faz avançar estudo da mente canina

Gostaria de saber se o seu cão é bom comunicador, tem boa memória ou é particularmente astuto – e ao mesmo tempo ajudar a perceber melhor o que se passa na cabeça dos cães em geral? Então não deixe de ler o que se segue.

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O investigador Brian Hare e o seu cão, Tasmania Vanessa Woods

Mais de 500 donos de cães de todo o mundo contribuíram para o primeiro estudo científico da mente canina baseado em informações recolhidas através de um projecto de ciência cidadã. Os resultados foram publicados na revista online de acesso livre PLOS ONE e sugerem que é possível obter dados experimentais de qualidade e responder a perguntas científicas de fundo a partir de testes cognitivos parecidos com jogos e realizados em casa, em qualquer sitio no mundo, por qualquer pessoa com acesso à Internet – e o seu cão.

A recolha de dados foi feita através de um site, dognition.com, criado pela equipa de Brian Hare, antropólogo e especialista de cognição dos primatas e dos cães na Universidade Duke, nos EUA. Os resultados agora publicados só dizem respeito a umas centenas de participantes mas, segundo um comunicado daquela universidade norte-americana, mais de 17.000 donos de cães já se registaram no site (mediante o pagamento de 19 dólares ou cerca de 16,5 euros) e estão neste momento a participar no projecto.

“São simples jogos”, diz Brian Hare, citado no comunicado. “Os donos adoram-nos e os cães adoram-nos. Por isso, pensei que mais pessoas poderiam jogar a esses jogos se eles estivessem disponíveis online.” Trata-se da primeira vez, segundo os autores do estudo, em que um projecto de ciência cidadã põe pessoas que não são cientistas a fazerem elas próprias experiências de comportamento animal.

O site fornece instruções detalhadas para realizar estes “jogos”. “Dognition.com mostra aos donos de cães como efectuar uma série de dez experiências cognitivas simples”, escrevem os autores na PLOS ONE. “Qualquer pessoa no mundo com acesso à Internet, um cão, e uma série de objectos de uso comum (como papel, post-its, copos de plástico e guloseimas para cães) pode pagar para se juntar [ao projecto] e participar”. 

Num dos “jogos”, o cão vê o(a) dono(a) a esconder comida debaixo de um de dois copos de plástico. A seguir, enquanto o cão é impedido de ver o que se passa (aqui, é precisa a ajuda de outra pessoa), o(a) dono(a) muda a comida para o outro copo. Na maioria dos casos, os donos que fizeram o teste constataram que o seu cão escolhia o copo onde tinha visto a guloseima a ser escondida – ou seja, o copo errado.

De facto, em cinco das sete experiências deste tipo agora analisadas, os resultados obtidos pela “via cidadã” corresponderam de perto aos resultados já produzidos no laboratório. Em particular, no jogo acima descrito, os resultados mostram que os cães confiam mais na sua memória do que no seu faro para encontrar a gulodice escondida (se os cães se guiassem pelo faro, teriam escolhido o copo certo, o que não aconteceu na maioria dos casos).

Para os autores, o que este primeiro estudo mostra sobretudo é que os dados recolhidos pelos donos parecem fiáveis e que nada indica ter havido manipulação (consciente ou inconsciente) dos resultados por aquelas centenas de “cidadãos-cientistas”. “Os dados que estes donos de cães estão a produzir têm qualidade”, salienta o co-autor Evan MacLean. “Batem certo com os resultados que vemos sair dos mais reputados laboratórios do mundo.” Este resultado em particular, acrescenta, já foi reproduzido por sete grupos científicos independentes e deu origem à publicação de mais de uma dúzia de artigos.

Evan MacLean co-dirige na Duke, com Brian Hare, o Centro de Cognição Canina, fundado por este último e onde já existe uma rede de um milhar de donos de cães dispostos a ir fisicamente ao laboratório para participar nas pesquisas. “A maior parte das pessoas pensa que os cães utilizam o olfacto para tudo”, acrescenta Evan MacLean. “Mas na realidade, eles utilizam todo um leque de sentidos para resolver problemas.”

Aliás, a análise desta primeira leva de informação já revelou também algo de mais entusiasmante para os cientistas acerca da psicologia dos cães e das suas capacidades cognitivas – embora ainda seja preciso, como fazem notar os autores, confirmar o resultado em condições de laboratório.

De que se trata? Do facto que cada cão possui uma combinação pessoal única de capacidades cognitivas. Há cães que são bons a comunicar, outros que têm uma memória acima da média, ou que mostram mais empatia para com os seus donos.

“A maioria das pessoas considera que a inteligência é como um copo mais ou menos cheio”, diz Brian Hare. “Mas a inteligência é mais como os gelados. Cada um tem o seu sabor. O facto de sermos bons a fazer uma coisa não significa que sejamos bons em tudo.” Diga-se já agora que cada participante recebe um perfil psicológico do seu cão.

Em relação a esta nova maneira de fazer ciência, Brian Hare está muito esperançado: “Há tantas coisas que se tornam possíveis quando temos uma tal massa de dados. Acho que os donos de cães vão ajudar a responder a todas as grandes questões [de psicologia canina e quiçá humana] para as quais os cientistas procuram respostas há décadas.”

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