Certas bactérias aumentam quatro vezes o risco de contrair o VIH

Estudo envolveu 236 mulheres de uma região da África do Sul e revela que algumas bactérias que existem na vagina aumentam a inflamação e “ajudam” o vírus da sida a infectar as células. Descoberta pode contribuir para novas estratégias preventivas.

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Modelo do vírus da sida

Uma equipa de investigadores norte-americanos acompanhou 236 mulheres infectadas com VIH da cidade de Umlazi, na África do Sul, durante 336 dias e concluiu que há comunidades de bactérias na flora vaginal que estão associadas a um risco quatro vezes superior de infecção pelo vírus da sida. As bactérias identificadas pelos cientistas são comuns nas mulheres sul-africanas saudáveis e diferem do tipo dominante da população bacteriana encontrada nas mulheres de países desenvolvidos. O trabalho abre portas para novas estratégias de prevenção.

A comunidade bacteriana (microbioma) mais comum no tracto genital de mulheres sul-africanas é (agora) considerada de alto risco para a infecção pelo VIH. No artigo científico publicado esta terça-feira na revista Immunity, uma equipa de investigadores nos EUA não só associa este tipo de flora vaginal a um maior risco de contrair o VIH mas também a um aumento da inflamação e da quantidade de linfócitos T CD4 que são o principal alvo do vírus da sida.

“Foi demonstrado que um número mais elevado de células-alvo do VIH no local inicial de exposição aumenta o risco de infecção e, portanto, é um provável mecanismo biológico para o aumento observado no risco de VIH”, diz Douglas Kwon, do Instituto Ragon do Hospital Geral do Massachusetts e um dos autores do artigo, num comunicado sobre esta investigação.

O estudo envolveu mulheres com idades entre os 18 e 23 anos e com teste negativo para o VIH, que participaram num programa de redução da pobreza em Umlazi, uma cidade da província de KwaZulu-Natal, com elevadas taxas de infecção. Segundo dados de 2016 divulgados pelo Programa das Nações Unidas para a Sida (UNAids), a prevalência de VIH na África do Sul está nos 19,2% mas em KwaZulu-Natal atinge uns impressionantes 40% (em Portugal é de cerca de 0,6%).

Usando métodos avançados para a sequência do microbioma vaginal, os cientistas perceberam que mais de 60% das mulheres tinham comunidades bacterianas vaginais diversificadas (Prevotella, Sneathia, Gardnerella, Shuttleworthia, Megasphaera), enquanto uma minoria (menos de 10%) tinha o tipo dominante Lactobacillus, que é encontrada em 90% das mulheres brancas saudáveis nos países desenvolvidos. Depois de agrupar as amostras em quatro tipos de flora vaginal, concluíram ainda que dois desses tipos eram caracterizados por populações bacterianas diversas e com baixo índice de Lactobacillus.

Apesar da intensa campanha de prevenção feita por estes especialistas, durante o estudo com a duração de cerca de um ano 31 mulheres foram infectadas com VIH. Confrontaram ainda os dados obtidos com as taxas de infecção pelo vírus durante o ano seguinte e encontraram uma incidência quatro vezes maior de VIH nas mulheres com comunidades bacterianas diversas, em comparação com a minoria das mulheres do estudo com microbiomas dominados por Lactobacillus. Especificamente, os cientistas identificaram as bactérias Prevotella e Sneathia como as que mais “favoreceram” a infecção do vírus.

Escolher as bactérias

“Estamos muito entusiasmados com estas descobertas. Usámos abordagens moleculares modernas para caracterizar o microbioma vaginal e ligar bactérias específicas ao risco de aquisição de VIH em mulheres jovens que vivem na África subsariana, onde o VIH está mais instalado”, sublinha Christina Gosmann, investigadora do Instituto Ragon e outra das autoras do artigo.

Antes deste estudo, Douglas Kwon já tinha demonstrado que certas infecções sexualmente transmissíveis, como a clamídia, aumentavam a inflamação e o risco de contrair o VIH. Num outro artigo publicado na Immunity em 2015, o cientista revelou que certas bactérias presentes em mulheres sul-africanas instigavam a inflamação genital. O trabalho agora publicado dá um passo em frente e associa os microbiomas predominantes nesta região a um aumento significativo de infecção pelo VIH.

Não existe (ainda) uma explicação para as diferenças na flora vaginal entre as mulheres subsarianas e as dos países desenvolvidos. A genética pode explicar uma parte da história e, talvez, as variáveis ambientais, como o comportamento sexual, métodos contraceptivos usados, hábitos de higiene ou até a dieta, expliquem o resto. No entanto, para já, os cientistas não conseguiram identificar qualquer associação comportamental ou ambiental.

O trabalho envolveu ainda experiências com ratinhos que comprovaram estes resultados, mostrando que a introdução destas bactérias vaginais faz aumentar o número de linfócitos T CD4, o principal alvo do VIH. “Estas descobertas demonstram a importância de considerar o microbioma genital no desenvolvimento de novas estratégias para reduzir a infecção do VIH em mulheres que vivem na África subsariana”, refere Christina Gosmann no comunicado sobre o estudo. “Ao identificar comunidades bacterianas e espécies bacterianas associadas ao risco de VIH, podemos fornecer alvos específicos para o desenvolvimento de novas estratégias preventivas e melhorar a eficácia das medidas existentes.”

Nesta investigação, é também identificado um novo mecanismo que pode ajudar a fazer com que a flora vaginal destas mulheres seja dominada pela comunidade de bactérias considerada “saudável” (a Lactobacillus). Reduzindo a inflamação vaginal que estes microbiomas diversos promovem, será também reduzido o risco de ficar infectado pelo VIH. Porém, os cientistas notam que a mudança do microbioma que se exige é ainda difícil de fazer. Mesmo com uma redução da carga microbiana conseguida com antibióticos, experiências anteriores (nomeadamente em estudos de transplantes do microbioma fecal) mostram que as populações de bactérias acabam por regressar ao lugar de origem.

Aliás, Douglas Kwon defende não só é preciso fazer mais investigação no campo da alteração de microbiomas mas também será importante olhar para outras comunidades bacterianas existentes noutras partes do organismo e que podem também ter um papel na vulnerabilidade dos indivíduos ao VIH. Mas, além das possíveis implicações no combate ao VIH, Douglas Kwon acredita que as diferenças nas populações de bactérias vaginais também podem ajudar em áreas como a medicina materno-infantil, uma vez que estes organismos aumentam o risco de inflamação e, por isso, podem causar problemas reprodutivos, como partos prematuros e outras complicações na gravidez.

 

 

 

 

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