Células estaminais humanas regeneram corações de macacos após enfarte

Cientistas utilizaram mil milhões de células musculares cardíacas derivadas de células estaminais embrionárias humanas. Testes em pessoas poderão iniciar-se dentro de quatro anos.

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Células cardíacas humanas (a verde) entre células cardíacas do macaco (a vermelho) Veronica Muskheli

Uma equipa de cientistas aplicou células musculares cardíacas derivadas de células estaminais embrionárias humanas na região de uma lesão do coração de sete primatas que sofreram enfartes. As células regeneraram em média 40% da região do coração afectada pelo enfarte, segundo os resultados publicados nesta quarta-feira na edição online da revista Nature.

“Antes deste estudo, não se sabia se seria possível produzir um número suficiente destas células e usá-las com sucesso para voltar a produzir músculo em corações com lesões, num animal grande cujo tamanho e fisiologia do coração é parecido com o coração humano”, disse em comunicado Charles Murry, médico e cientista do Centro para a Biologia Cardiovascular da Universidade de Washington (EUA), que liderou esta experiência. Segundo o investigador, a aplicação desta técnica em ensaios em pessoas poderá acontecer dentro de quatro anos.

Um enfarte acontece quando há um bloqueio das artérias que levam sangue e oxigénio às células do coração, provocando a morte de milhões e milhões de cardiomiócitos. Estas células musculares que compõem o coração são responsáveis pelos batimentos que levam o sangue a todo o corpo, e morrem quando deixam de ser alimentadas.

Normalmente, o coração não consegue regenerar o tecido muscular na região onde há um enfarte, que fica com uma cicatriz. É por isso que há complicações cardíacas após um enfarte: as pessoas acabam por ficar com uma insuficiência cardíaca, o coração não bombeia como deve de ser o sangue.

Nesta experiência, os cientistas começaram por provocar o enfarte em sete primatas da espécie Macaca nemestrina. O enfarte foi produzido enquanto os macacos estavam anestesiados.

Depois, passadas duas semanas, a equipa tratou os sete macacos com mil milhões de células musculares cardíacas humanas na região da lesão do coração de cada um dos primatas. Estas células tinham sido produzidas a partir de células estaminais embrionárias humanas, vindas de embriões humanos usados para a investigação científica. Em laboratório, usando estímulos químicos, as células estaminais foram forçadas a diferenciarem-se em células musculares cardíacas e só depois é que foram aplicadas nos macacos.

Os primatas receberam medicamentos imunossupressores para o sistema imunitário não atacar as células humanas. Ao longo de três meses, estas células integraram-se na região lesionada do coração dos macacos: diferenciaram-se em cardiomiócitos, começaram a contrair-se e a região foi invadida por artérias e veias – um fenómeno muito importante, pois permite que a região seja naturalmente alimentada por nutrientes e oxigénio.

Desafios futuros 
O tecido foi regenerado em média em 40%. Os macacos sofreram inicialmente algumas arritmias – perturbações que alteram o ritmo cardíaco –, que, ao fim de três semanas, deixaram de acontecer. Usando ecografias, os cientistas verificaram ainda que a capacidade dos macacos de bombear sangue tinha melhorado nalguns deles, mas não em todos.

“Os resultados mostram que podemos produzir o número de células necessário para a terapia humana e provocar a formação de novo músculo cardíaco numa escala que é relevante para melhorar o funcionamento do coração humano”, explicou por sua vez Michael Laflamme, investigador da Universidade de Washington, e um dos autores do estudo.

Há, contudo, alguns desafios. Por um lado, os cientistas têm de compreender se, de facto, há uma melhoria no bombeamento do coração. Os cientistas já tinham feito a mesma experiência em animais mais pequenos, com sucesso. “Estas células melhoraram a função mecânica em todas as outras espécies que foram testadas, por isso estamos optimistas que vão fazer o mesmo neste modelo [os macacos]”, referiu Charles Murry.

Depois, é necessário conseguir evitar as arritmias que foram registadas nos macacos e que poderão ser mais graves em humanos, cujo coração é maior e em que as lesões provocadas pelos enfartes são também maiores. “Os enfartes maiores, nos corações humanos, podem manifestar mais arritmias. Como as arritmias ventriculares podem ameaçar a vida [de quem as tem], elas têm de ser compreendidas a nível mecânico e têm de ser controladas” para que a terapia seja segura, lê-se na conclusão do artigo. “No entanto, a extensão do músculo produzido e a ligação electromecânica observada agora encoraja o desenvolvimento da transplantação de cardiomiócitos humanos na terapia clínica de insuficiências cardíacas.”

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