Cabelo voltou a nascer em três pessoas com calvície de origem imunitária

Equipa descobriu o processo de inflamação da alopecia areata, ou pelada, doença auto-imune que afecta homens e mulheres. Ao aplicarem um fármaco já existente, os cientistas conseguiram repor o cabelo em doentes. Ainda são necessários mais estudos para confirmar o tratamento experimental.

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Ao fim de quatro meses de tratamento, o cabelo de um doente com alopecia areata voltou a nascer Julian Mackay-Wiggan

É uma batalha que está a acontecer na pele e tem um resultado óbvio: o desaparecimento de cabelo, pêlos das sobrancelhas ou barba. Os efeitos começam por surgir numa pequena mancha, que se vai alastrando, denunciando a alopecia areata, ou pelada. Esta doença auto-imune aparece quando células especializadas do sistema imunitário atacam a base dos folículos capilares e impedem o crescimento de pêlos ou cabelos.

A guerra pode atingir todo o couro cabeludo, tornando as pessoas carecas, e tendo muitas vezes um impacto psicológico forte. Mas agora uma equipa de cientistas compreendeu os pormenores desta batalha celular e, aplicando um fármaco usado em doenças sanguíneas, conseguiu que o cabelo voltasse a nascer em três pessoas com este problema. Tudo em menos de cinco meses.

O trabalho vem explicado num artigo científico da última edição da revista Nature Medicine. A alopecia areata, que afecta cerca de 1% da população, ataca normalmente uma parte do couro cabeludo. Mas pode ser total e deixar alguém completamente careca. Ou tornar-se mesmo “universal”, no caso de se ficar sem um único pêlo no corpo inteiro — o que é muito mais raro. Esta forma de calvície de origem imunitária aparece em qualquer idade e em ambos os sexos. Há casos em que o cabelo ou os pêlos voltam a aparecer, fazendo desaparecer estas manchas, mas ninguém sabe porquê. Os médicos prescrevem muitas vezes corticóides, cuja eficácia não está estabelecida, pois há vezes em que resulta e outras em que não.

Há anos a estudar esta doença, uma equipa da Universidade de Columbia, em Nova Iorque, liderada por Angela Christiano, começou por identificar duas moléculas na membrana das células do tecido dos folículos capilares. Em doentes com alopecia, essas moléculas eram produzidas em quantidades superiores ao normal e tinham o efeito de chamar para aquele tecido uma classe de linfócitos T (células imunitárias) com um papel importante no atrofiamento dos folículos e, consequentemente, na queda futura do cabelo. Estavam assim implicadas no início da inflamação.

“Os pacientes com alopecia areata sofrem profundamente, e estas descobertas marcam um passo importante para eles”, explicou Angela Christiano, citada num comunicado do Centro Médico da Universidade de Columbia.

No novo estudo, a equipa analisou o efeito desses linfócitos T numa linhagem de ratinhos que desenvolvem o equivalente à alopecia areata em humanos. Os cientistas começaram por confirmar a abundância destes linfócitos na pele dos ratinhos com alopecia. Depois, fizeram o transplante dos linfócitos T ou de gânglios linfáticos destes ratinhos doentes para a pele de ratinhos saudáveis da mesma linhagem, e notaram que os ratinhos saudáveis desenvolviam a doença auto-imune. “Estas células são necessárias e suficientes para a transferência de alopecia areata”, lê-se no artigo.

De seguida, a equipa foi procurar outras moléculas, desta vez envolvidas na resposta inflamatória na zona dos folículos provocada pelos linfócitos T mas já numa fase mais avançada. Os cientistas identificaram os genes mais activos na pele de ratinhos com alopecia, através da comparação com a actividade dos genes em ratinhos sem alopecia. Segundo o artigo, estes genes originam várias moléculas importantes para manter uma resposta inflamatória e citotóxica naquela região da pele, agredindo assim os folículos.

Além disso, essas moléculas também são capazes de auto-alimentar a doença, permitindo que a reacção inflamatória se alastre. Será por isso que a pelada aparece num determinado local e depois se alastra a outras zonas.

Os cientistas demonstraram ainda esta capacidade de progressão da doença, ao transplantarem um pedaço de pele de um ratinho com alopecia para outro ratinho da mesma linhagem mas sem a doença. Também desta vez, quase todos os ratinhos desenvolveram a doença auto-imune.

O passo seguinte foi tentar bloquear esta cascata de sinais químicos que produzia e mantinha a reacção inflamatória. No fundo, os investigadores tentaram travar a batalha que se passava na pele e que fazia desaparecer o cabelo. Para isso, tentaram bloquear a actividade das quinases JAK — moléculas que estão dentro das células dos folículos capilares e são mediadoras dos sinais que chegam à membrana dessas células. Neste caso, os sinais inflamatórios que são lidos pela membrana das células e põem as quinases JAK a trabalhar, o que mantém a inflamação.

A equipa pôs a hipótese de que se travasse a actividade das quinases JAK, bloquearia a reacção inflamatória e os cabelos voltariam a crescer.

Para isso, a equipa usou tanto o ruxolitinib, um fármaco inibidor destas moléculas usado para tratar uma doença da medula (a mielofibrose idiopática), como o tofacitinib, administrado na artrite reumatóide, outra doença auto-imune. Ambas as substâncias químicas estão aprovadas para estas duas doenças pela FDA, a agência norte-americana que aprova os medicamentos que podem ser consumidos.

Agora os cientistas mostraram que estes dois fármacos impediam, por um lado, o desenvolvimento de alopecia em ratinhos que tinham tido um transplante de pele vinda de ratinhos doentes. E, por outro lado, faziam regredir a alopecia nos ratinhos já doentes.

Por fim, os investigadores testaram o ruxolitinib em três pessoas com alopecia areata moderada a grave. Os três tomaram todos os dias duas doses de 20 miligramas e o cabelo voltou a nascer “quase totalmente” ao fim de três a cinco meses, de acordo com o artigo.

Para Raphael Clynes, que co-liderou a investigação com Angela Christiano, estes resultados são promissores: “Estamos apenas a começar a testar os fármacos em doentes. Mas se a substância química continuar a ter sucesso e a ser segura, vai ter um impacto positivo drástico na vida das pessoas com esta doença.” 

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