Ascensão e queda de uma cientista e dos seus dois artigos sobre células estaminais

Decisão sobre o destino final de artigos – que tiveram uma cientista japonesa como autora principal e prometiam um método simples de criação de células estaminais – está agora nas mãos da revista Nature.

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A investigadora Haruko Obokata a pedir desculpa pelas suas falhas, em Abril KYODO/Reuters

É o ponto final — ou quase — num caso que se arrasta há quatro meses. No final de Janeiro, a cientista japonesa Haruko Obokata anunciou um novo método extraordinariamente simples de criação de células estaminais semelhantes às dos embriões, utilizando células especializadas do corpo e forçando-as a regressar a uma infância celular. De tão simples, o método, revelado em dois artigos na revista Nature, e noticiado em todo o mundo, prometia impulsionar a investigação na área da medicina regenerativa. Mas cedo choveram dúvidas, que culminaram agora com Haruko Obokata a aceitar retirar de publicação os dois artigos.

A investigadora japonesa, de 30 anos, que tinha ido criar em 2013 a sua própria unidade de investigação no Centro RIKEN para a Biologia do Desenvolvimento, em Kobe (Japão), já tinha concordado, no final de Maio, em retirar um dos artigos. Mas esse era o trabalho secundário desta investigação: assinado com outros dez cientistas, Haruko Obokata dizia aí ser possível criar células estaminais a partir de diversos tecidos do corpo usando o novo método.

Era no artigo principal, que Haruko Obokata foi insistindo em manter publicado, que ela e mais sete cientistas (dois norte-americanos e os restantes japoneses) descreviam o novo método que permitia criar células estaminais muito parecidas com as células estaminais embrionárias. Designaram-nas por “células STAP”, a sigla em inglês de “aquisição de pluripotência desencadeada por um estímulo”.

As células estaminais dos embriões têm a capacidade de dar origem a todos os tipos de células do corpo, diferenciadas e especializadas em cada tecido e órgão. Os cientistas têm procurado criar estas células à medida exacta de cada doente, para que possam ser utilizadas em medicina regenerativa. Uma forma de as obterem é criando embriões que são clones de uma pessoa, aos quais são retiradas depois as células estaminais — mas esta investigação, pela destruição que implica dos embriões clonados, põe problemas éticos. Outra forma de obter células estaminais parecidas com as dos embriões é manipulando genes, para reprogramar células especializadas até a um passado celular, o que é bastante complexo.

O novo método explicado nos artigos da Nature, de que Haruko Obokata é a autora principal, evitaria tudo isso, porque utilizava células diferenciadas (de ratinho, no caso das experiências) e era muito simples. Bastaria mergulhar as células do sangue dos ratinhos numa solução ligeiramente ácida (o estímulo) durante cerca de meia hora, para que elas regressassem a um passado celular.

O escrutínio público destes resultados manifestou-se logo numa série de dúvidas mal foram publicados, na edição em papel da Nature de 30 de Janeiro, com acusações de manipulação de imagens e plágio. E em Abril, um comité criado pelo RIKEN para investigar as acusações de fraude concluiu ter havido má conduta científica da parte de Haruko Obokata, ao ter misturado imagens de experiências diferentes e usado dados de trabalhos anteriores no artigo principal na Nature e pedia que ele fosse retirado de publicação.

Rejeitando estas conclusões, Haruko Obokata justificou as falhas com a sua inexperiência, pediu desculpas públicas e solicitou ao comité que voltasse a apreciar o caso. No início de Maio, o comité manteve as conclusões de má conduta científica e pediu-lhe então que retirasse de publicação os dois artigos. No fim de Maio, ela acedeu apenas a parte do pedido, concordando em retirar o artigo secundário, mas manteve-se irredutível em relação ao trabalho principal.

Nessa altura ainda era apoiada pelo último autor (o que supervisiona o trabalho) do artigo principal, Charles Vacanti, especialista em engenharia de tecidos do Brigham and Women’s Hospital, de Boston, nos EUA. Este investigador norte-americano, que também é um dos autores do artigo secundário, continuava a defender os resultados. Ao contrário de outros dos autores do artigo secundário, como Teruhiko Wakayama, da Universidade de Yamanashi, a quem cabia como seu último autor a supervisão, que se demarcaram publicamente.

Só que, dias depois de Haruko Obokata pedir a remoção do artigo secundário, deu-se uma reviravolta que terá levado a cientista japonesa a ceder à pressão à sua volta. “Inesperadamente, a 30 de Maio, Vacanti enviou uma carta à Nature a pedir a retirada do artigo principal, de acordo com uma fonte no Japão próxima do caso e que leu a carta”, noticiou o site da revista Nature. “Este passo pode ter quebrado a resistência de Obokata. A 3 de Junho ela assinou um acordo para retirar o artigo principal e entregou-o ao RIKEN, confirmou um porta-voz”, refere ainda a notícia, acrescentando que todos os co-autores de ambos os artigos concordaram assim com a sua retirada.

Ponto final no caso? Ainda não. O destino final dos artigos está nas mãos da Nature, que decide agora o que fazer, sem se livrar já das críticas sobre a qualidade da avaliação prévia dos trabalhos científicos, que deveria ter detectado as falhas antes da publicação. Além disso, neste momento um comité disciplinar do RIKEN decide se Haruko Obokata e outros colegas terão alguma penalização. E por fim, cientistas do RIKEN, refere o site da revista Science, estão a verificar se as células STAP realmente existem e se conseguem voltar a criá-las, algo que diversos grupos de cientistas pelo mundo ainda não foram capazes de fazer.

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