Descobertos restos de 50 múmias egípcias num túmulo no Vale dos Reis

Escavações numa sepultura com cinco câmaras revelam nomes da família real egípcia no século XIV a.C desconhecidos até agora. Sepultura sofreu saques e foi queimada.

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Vestígios arqueológicos encontrados no túmulo KV 40 Matjaz Kacicnik/Universidade da Basileia
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O interior do túmulo KV 40 Matjaz Kacicnik/Universidade da Basileia
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Indicação de vários túmulos egípcios no Vale dos Reis Universidade da Basileia

No tempo dos romanos, no início da nossa era, o Vale dos Reis já era um sítio antigo, visitável, um centro turístico já na época. Na margem ocidental do Nilo, a cerca de 700 quilómetros a sul do Cairo, podem encontrar-se hoje 63 túmulos associados ao poder real do Império Novo, um período na história do Antigo Egipto que durou entre 1550 a.C. e 1070 a.C. Agora, uma equipa da Universidade da Basileia, na Suíça, escavou um dos túmulos e descobriu os restos de 50 múmias egípcias, incluindo múmias de crianças.

O Vale dos Reis era uma necrópole real que estava junto da antiga cidade de Tebas, capital do Antigo Egipto durante parte do Império Novo, que inclui as dinastias XVIII, XIX e XX dos reinados egípcios. Foi a meio deste período que viveu o faraó Ramsés II, terceiro faraó da XIX dinastia, numa altura em que o império vivia o seu último apogeu. Naquele vale, iam sendo construídos túmulos onde os faraós, as suas mulheres e filhos iam sendo sepultados. Mas também há muitos túmulos de outras famílias da nobreza egípcia.

Os túmulos, construídos em profundidade, têm vários tamanhos. O mais impressionante é o KV 5, erigido em grande parte por Ramsés II para sepultar os seus filhos. A sepultura, que tem mais de 120 corredores e câmaras, começou a ser escavada por arqueólogos sistematicamente na década de 1990 mas ainda hoje não se encontraram os seus limites.

O túmulo escavado agora pela equipa de Susanne Bickel, o KV 40, é bastante mais pequena, tem apenas cinco câmaras subterrâneas. Para chegarem às câmaras, os egiptólogos tiveram de escavar um poço de seis metros que dava acesso a estas salas.

Os especialistas pensavam que o KV 40 não era um túmulo da realeza, construído na XVIII dinastia. “Cerca de dois terços dos túmulos do Vale dos Reis não pertencem à realeza”, explica Susanne Bickel, no comunicado da Universidade da Basileia desta semana. “As sepulturas não têm inscrições e têm sido muito saqueadas, por isso só podemos especular sobre o que foi sepultado nelas”, acrescenta a egiptóloga.

Mas, afinal, havia muito sangue real naquele espaço. Dentro do KV 40, os investigadores encontraram na câmara central e em três câmaras laterais os restos de 50 múmias, adianta o comunicado. A partir das inscrições encontradas em vasos canópicos – onde eram guardadas as vísceras das pessoas mumificadas – a equipa foi capaz de identificar o nome de 30 pessoas.

Entre as múmias estavam príncipes e princesas das famílias de dois faraós da XVIII dinastia, Tutmés IV e Amenófis III, que reinaram no século XIV a.C. Destes, oito princesas e quatro príncipes não eram conhecidos até agora pelos historiadores.

Mini-múmias

Além disso, foram encontradas várias múmias de recém-nascidos e crianças. “Descobrimos um número notável de recém-nascidos e crianças cuidadosamente mumificados, que normalmente teriam sido enterrados de uma forma muito mais simples”, diz Susanne Bickel.

“Pensamos que estes membros familiares da corte real foram sendo enterrados neste túmulo durante um período de várias décadas.” Segundo os investigadores, esta lista de pessoas identificadas na sepultura permite saber quem é que tinha o privilégio de passar a vida eterna, depois da morte, junto do faraó.

Espera-se agora que uma análise mais aprofundada dos achados arqueológicos revele a composição da corte faraónica durante a XVIII dinastia, assim como as condições de vida e as tradições do enterro na época, adianta o comunicado.

Mas a arqueologia de qualquer um destes túmulos ultrapassa sempre o momento da sua construção e da primeira utilização. Séculos de história são séculos de saque, reutilização e outros tipos de uso, que reflectem o comportamento das sociedades que sucederam a esta antiga civilização. Nas paredes de muitos túmulos do Vale dos Reis existem mais de 2000 mensagens, assinaturas e desenhos, uma espécie de graffiti, que são testemunhos dos muitos turistas que visitaram aquele local sagrado entre o século III a.C. e o século VI d.C.

Nas fotografias do agora escavado KV 40 nota-se a ferrugem negra de um incêndio que o túmulo sofreu. “Os restos [arqueológicos] e as paredes foram afectados por um incêndio que terá sido iniciado, muito provavelmente, pelas tochas de salteadores de túmulos”, sugere Susanne Bickel. Desde a antiguidade até ao século XIX, o túmulo terá sido saqueado diversas vezes.

Além disso, já muito tempo depois de o Vale dos Reis ter deixado de ser uma necrópole real, restos de caixões feitos de madeira e de material composto por fibras vegetais ou papiros encontrados no lugar indicam que houve uma utilização posterior da sepultura para enterrar outros mortos: no século IX a.C. as famílias de sacerdotes terão usado aquele túmulo como cemitério.

Hoje, o Vale dos Reis continua a ser visitado diariamente. Em 1979, a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) definiu o sítio arqueológico da cidade de Tebas, os seus templos e as necrópoles do Vale dos Reis e do Vale das Rainhas (construída depois do Vale dos Reis) como Património Mundial da Humanidade por ser, segundo o site daquela organização, um “testemunho impressionante da civilização egípcia no seu auge”.

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