Alfazema-do-mar está em risco de extinção no Cabo Raso

Espécie de planta perene é considerada pelos biólogos uma “raridade clássica”, por ter uma distribuição reduzida, estar especializada num habitat e a sua população ser pequena.

A alfazema-do-mar  <i>Limonium multiflorum</i>
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A alfazema-do-mar Limonium multiflorum Pedro Arsénio/ISA
A espécie tem cerca de mil indivíduos no Cabo Raso
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A espécie tem cerca de mil indivíduos no Cabo Raso Pedro Arsénio/ISA

Uma espécie do género Limonium, um grupo de plantas conhecidas como alfazemas-do-mar, está em risco de extinção no Cabo Raso, no concelho de Cascais, alertam investigadores do Instituto Superior de Agronomia (ISA) da Universidade de Lisboa, na sequência dos estudos que têm feito na zona.

As populações dessa espécie, Limonium multiflorum, só existem na costa portuguesa, entre Cascais e a Nazaré. Trata-se de um endemismo lusitano que ocorre nas primeiras manchas de vegetação das arribas costeiras. Resistentes a ambientes salinos, estas plantas perenes apresentam folhas que crescem, em forma de roseta, junto ao chão preferencialmente rochoso. A partir da Primavera exibem flores liláceas, tornando a sua observação mais fácil no terreno. A espécie possui populações muito antigas com indivíduos que podem atingir uma longevidade até 30 anos.

Além disso, apresentam uma variabilidade genética muito baixa, porque na maior parte das vezes se reproduzem assexuadamente. Ana Caperta, investigadora do Centro de Biologia Aplicada à Agricultura do ISA, salienta outra particularidade desta espécie que contribui para a sua vulnerabilidade: “As plantas que conseguimos obter a partir das sementes recolhidas no local revelaram-se estéreis do ponto de vista masculino.” Mas na população ainda existem indivíduos com reprodução sexuada. “Por isso, ainda se poderia esperar que a variabilidade fosse restaurada desse modo, mas, sendo estéril do ponto de vista masculino, a variabilidade desta população está ainda mais comprometida.”

Este traço é comum não só para esta população do Cabo Raso, com apenas cerca de 1000 indivíduos, como também para as plantas de outros locais, nomeadamente na foz do rio Lizandro e em Peniche. Embora a população com o maior número de indivíduos se encontre na zona de Cascais, a investigadora considera que esta população “está muito fragmentada e trata-se, na realidade, de várias subpopulações da mesma espécie”.

Para um artigo científico sobre as alfazemas-do-mar, publicado na revista AoB Plants, em Junho último, a equipa voltou a estudar a população do Cabo Raso: uma vez que já era conhecida a genética da espécie através de estudos anteriores, os investigadores consideraram então importante perceber se a Limonium multiflorum estaria ameaçada no local.

O objectivo inicial dos cientistas envolvidos neste projecto desde 2010, em parceria com os técnicos do Parque Natural Sintra-Cascais e da empresa municipal Cascais Ambiente, foi conhecer as espécies da costa portuguesa do género Limonium, devido às dificuldades existentes na identificação de grupos muito próximos. Ana Caperta conta que, quando iniciaram o trabalho, estavam “interessados em distinguir as diferenças entre grupos e clarificar taxonomicamente espécies ambíguas”. Para além disso, este grupo de espécies tem muita importância na orla costeira, “uma vez que está altamente representado em toda a costa portuguesa, desde Caminha a Vila Real de Santo António”.

No trabalho de campo realizado para o último artigo, os investigadores avaliaram as variáveis ambientais favoráveis à presença da espécie. No Cabo Raso, refere Ana Caperta, as principais ameaças são “as espécies exóticas invasoras e não o pisoteio como pensávamos”. Verificou-se neste estudo que a presença de chorão-das-praias (Carpobrotus edulis), uma espécie originária da África do Sul, suculenta e de crescimento rasteiro, impede a presença de Limonium multiflorum.

O facto de algumas zonas com esta espécie de alfazema-do-mar serem usadas como local de estacionamento é outra das ameaças observadas durante o trabalho de campo. Por esse motivo, os investigadores não hesitam em afirmar, no artigo científico, que a Limonium multiflorum “pode ser classificada como uma ‘raridade clássica’, uma vez que apresenta uma distribuição geográfica reduzida e uma especificidade restrita de habitat, com populações consistentemente de tamanho reduzido e baixos níveis de diversidade genética”.

Mas o que é uma “raridade clássica”, neste caso para uma alfazema-do-mar? A classificação de raridade foi proposta em 1981 pela norte-americana Deborah Rabinowitz (1947-1987), que identificou sete formas diferentes para as espécies de flora serem consideradas raras. Os sete tipos possíveis de raridade resultam de uma análise de três variáveis relativas à sua distribuição geográfica (reduzida ou alargada), especificidade no uso do habitat (especialista ou generalista) e ao tamanho da população local (pequena ou grande). As espécies raras clássicas revelam-se como uma das sete formas de raridade e são as que reúnem os três níveis de categorias mais limitados – ou seja, têm uma distribuição reduzida, estão especializadas num habitat e a sua população é pequena, o que encaixa nesta espécie de alfazema-do-mar.

A Limonium multiflorum encontra-se na Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) com o estatuto “pouco preocupante”, mas o grupo de investigadores defende no artigo que deve ser elevado para “vulnerável” pelas suas características intrínsecas de reprodução e ameaças a que está sujeita.

A UICN classifica todas as espécies em relação ao seu estatuto de conservação e atribui-lhes uma posição numa escala que contém nove categorias: “não avaliada”, “informação insuficiente”, “pouco preocupante”, “quase ameaçada”, “vulnerável”, “em perigo”, “criticamente em perigo” e “extinta”.

A conservação no local desta espécie rara e vulnerável “é uma prioridade”, escrevem os investigadores no artigo. A intenção da equipa é usar estas informações para chamar a atenção e divulgar o que se passa com a espécie, refere ainda Ana Caperta, demonstrando interesse que em Cascais pudesse ser feita “uma micro-reserva de iniciativa local para a espécie, não só pela riqueza florística mas também pelo valor geológico do próprio Cabo Raso”, um local de excelência para observação de aves marinhas migradoras. “Se desaparecer a população do Cabo Raso, sobram pequenos núcleos ao longo da costa, ficando comprometida a sobrevivência da espécie.” 

Texto editado por Teresa Firmino

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