Ainda a ciência diluída

Os gurus que dizem que remédios homeopáticos curam o cancro não fazem ideia nenhuma do que é essa doença.

Escreveu-me, em carta aberta, o meu colega da Universidade de Coimbra Paulo Varela Gomes (PVG), dando-me conta do seu desagrado com a minha última crónica, na qual critiquei a regulamentação da homeopatia e a “diluição” em curso da ciência nacional.

Relatou que lhe foi diagnosticado um cancro há dois anos e que tem recorrido a tratamentos homeopáticos, os quais considera terem beneficiado a evolução do seu estado clínico, que se revelou mais benigno do que tinha sido prognosticado. Fico feliz que assim seja e desejo que essa evolução favorável se mantenha. Mas, como decerto sabe, um caso particular não permite tirar conclusões. Será, no máximo, um ponto de partida para mais investigação e nunca um ponto de chegada. Quando observamos um efeito, para lhe atribuirmos uma causa específica temos que excluir as restantes causas possíveis. Por exemplo, PVG refere a “revisão radical da alimentação”. Pode ter sido um factor relevante, mas não sou médico e francamente não sei. Num caso específico, uma determinada causa ou conjunto de causas, consideradas ou não, poderá ser a razão das melhoras. Quando há melhoras num grande número de pessoas sujeitas ao mesmo tratamento, a causa será provavelmente o tratamento. E é precisamente para saber isso que se realizam ensaios clínicos. Nos ensaios clínicos os remédios homeopáticos não apresentaram até hoje uma eficácia superior à do placebo usado no grupo de controlo.

Bem sei que há muita gente notável e muitas instituições conhecidas que julgam que a homeopatia é mais do que comprimidos de açúcar. Mas isso não substitui a fundamentação científica. Na ciência não interessa o nome de quem faz uma afirmação, interessam as provas que apresenta. Os gurus que dizem que remédios homeopáticos curam o cancro não fazem ideia nenhuma do que é essa doença e estão, em geral, a aproveitar-se da aflição dos doentes. Tem sido a medicina que tem permitido grandes avanços na luta contra esse mal (sugiro o livrinho O Cancro, de Manuel Sobrinho Simões, Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2014) e não a pseudociência.

Por último: PVG, doutorado em História da Arquitectura e professor num departamento de Arquitectura, nada disse sobre a “diluição” da ciência em Portugal. Sabe que dos três avaliadores que visitaram o centro de estudos de Arquitectura na Universidade do Porto nenhum era arquitecto? E que não sabiam quem era Siza Vieira? Não partilha a minha crítica aos actuais gestores da ciência nacional por a estarem a deitar por água abaixo?

Como vê, não segui o seu conselho para ficar calado. Até porque não podia deixar de lhe desejar as melhores melhoras, para que nos dê mais páginas brilhantes como as de Ouro e Cinza.

Com os cumprimentos do seu admirador.

Professor da Universidade de Coimbra

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