A luz como meio e limite: A luz de amanhã

Tomamos a luz como certa. De facto, temos boa razão para o fazer – na história da Humanidade, não há memória de dia algum (e são já muitos, cerca de 70 milhões) em que o Sol não tenha tido a gentileza de nascer. Nesse sentido, a luz é uma constante e, de certa forma, define-nos como espécie: somos um povo da luz.

Diz-nos a ciência moderna que o Sol brilha há muito mais tempo do que há pessoas na Terra para o observar: cerca de 4,6 mil milhões de anos. A razão porque o faz permaneceu misteriosa até à primeira metade do século passado, quando avanços na física, incluindo proeminentemente a postulação por Einstein da sua muito famosa equivalência entre energia e massa, E=mc2, permitiram explicar que o Sol liberta energia — brilha — devido à constante fusão de iões de Hidrogénio (protões) no seu interior. A fusão como fonte de luz (ou, mais correctamente, de energia) é assim, de uma forma bastante directa, responsável pela vida na Terra.

O Sol não brilhará para sempre. Extinguido o fuel que alimenta as reacções de fusão que se dão no seu interior, a nossa estrela chegará ao seu fim natural. Isto terá consequências drasticamente tangíveis para a Humanidade. Em particular, teremos de encontrar um outro sistema planetário, acolhedor quanto baste, para habitar. O leitor não deve contudo preocupar-se precocemente: falta bastante tempo para que o Sol se apague, vários milhares de milhões de anos, uma escala de tempo infinita na métrica humana quotidiana. Para todos os efeitos práticos, podemos continuar a tomar a luz do Sol como certa.

A luz do Sol como meio em que existimos — a constância da sua existência — permitiu que a Humanidade evoluísse tecnologicamente ao ponto de conhecer a distinção entre diferentes formas de luz: natural e artificial. No momento da História em que nos encontramos, esta distinção é puramente formal: a luz artificial, simples quanto premir um interruptor, é tão ubíqua quanto a natural e todos nós a tomamos (artificialmente) por certa também. A vida humana, ou talvez mais correctamente, a vida humana nos países chamados desenvolvidos, exige e espera a sua disponibilidade constante.

Tal como a do Sol, também a luz artificial não durará para sempre, embora aqui as perspectivas sejam bastante mais ofensivas. As principais formas de produção de energia eléctrica que usamos hoje (queimando carvão ou gás, e fissão nuclear) terão uma duração de mais 100, talvez 150 anos se formos poupados, tivermos sorte e ignorarmos por completo o problema do aquecimento global (o que parece imprudente). Avanços tecnológicos na fissão nuclear poderão folgar este número, mas a substituição integral do carvão e gás pela fissão levanta graves problemas de gestão de resíduos radioactivos, entre outros. Restam a energia solar, que não é ainda uma contribuição significativa para a rede, mas poderá vir a ser, e as demais renováveis, cujas intermitência intrínseca e baixa potência sugerem que dificilmente deixarão de ser apenas complementares.

Uma outra alternativa para que a luz artificial não encontre o seu limite é reproduzir na Terra o motor do Sol: a domesticação da fusão, que é limpa, segura e, evidentemente, poderosa. Mais do que a resolução dos formidáveis desafios científicos e técnicos que o domínio da fusão exige, a sua apropriação como fonte de energia requer determinação política, que não tem abundado, por presumível falta de urgência.

Uma parceria internacional encabeçada pela UE constrói neste momento no Sul de França, tardia e lentamente, aquele que será o reactor experimental de fusão mais avançado de sempre, o ITER. É um passo crítico, (infelizmente) único a nível mundial, mas apenas um passo entre os muitos que faltam. Talvez haja lugar para optimismo: o físico russo Lev Artsimovich, uma das figuras seminais da área, terá dito em resposta à pergunta de quando teríamos finalmente a fusão a produzir energia eléctrica para a rede, que “a fusão estará pronta quando a sociedade precisar dela”. A questão será se a sociedade terá a inteligência de atempadamente reconhecer esta necessidade. A fusão será a luz de amanhã. Se quisermos.

Nuno Loureiro é investigador principal do Instituto de Plasmas e Fusão Nuclear, e professor associado convidado do Departamento de Física do Instituto Superior Técnico. Recebeu o Thomas H. Stix Award for Outstanding Early Career Contributions to Plasma Physics Research da Sociedade Americana de Física

 

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