Maria João Luís

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Maria João Luís , 47 anos, daniel rocha

Os homens têm uma particularidade que os define: há entre eles um entendimento mais conseguido, sem precisar de grandes palavras. Tenho dificuldade em explicar o que é, mas acho que se entendem melhor entre eles do que as mulheres. Não me refiro às conversas, refiro-me talvez uma maior cumplicidade. Posso dar um exemplo: eu cumprimento as pessoas aplicando tudo o que me é possível no meu tom de voz, na minha energia, para demonstrar aos outros o valor e a temperatura em que me encontro e com a qual comunico. Empenho-me para demonstrar o ponto em que estou relativamente aos outros. Nos homens não encontro muito isto, não há esta necessidade, sobretudo entre eles. Um "Boa tarde", um "Olá estás bom?" chegam. Nós somos muito aplicadas nesta coisa da comunicação. E isto depois tem imensos efeitos. É como se fossem dois mundos distintos, o que conduz a muitos equívocos.

No teatro, penso que não há diferenças entre o trabalho de um homem e o de uma mulher. Sei tão pouco disto, quanto mais faço isto menos sei. Há um grande mistério nesta coisa dos actores que eu não entendo, não consigo, já vi actores homens fabulosos, já vi actrizes fabulosas, e somos todos diferentes, cada um é muito diferente do outro.

Vivo há 20 anos com o Pedro Domingues, o meu marido, e somos pessoas completamente opostas. Eu sou muito extrovertida, um bocadinho hiperactiva e o Pedro é muito calmo, muito tranquilo, faz tudo com o seu tempo. Inevitavelmente, tivemos que fazer um exercício para podermos coabitar no mesmo espaço físico, intelectual, a todos os níveis.

Muitas vezes o mundo masculino não é entendido pelas mulheres, não fazem o esforço de perceber que há pessoas diferentes delas. Há uma genética diferente, há outra forma de estar e de viver o mundo, de sentir o mundo e a vida, por variadíssimas razões. O sexo é diferente, a força é diferente e, por incrível que pareça, o tempo é diferente. E é errado querermos que o tempo seja o mesmo, porque não é.

Há homens que me marcaram muito no meu crescimento: o meu pai, o meu irmão (mais velho que eu onze anos), e a minha primeira paixão, tinha eu 16 ou 17 anos. E o meu marido também me marcou, marca e marcará, espero eu. Mas não continuo à procura do meu pai, do que gostava era que não tivesse morrido, que não lhe tivesse acontecido nada. Se quisermos fazer psicanálise, provavelmente chegaremos a coisas impressionantes, incríveis, mas não é um universo que me interesse, acho que é perigoso, se calhar há coisas que é melhor eu não saber, deixem-nas lá estar que é para não me fazerem mais confusão. Já me basta a confusão do supermercado.

O que me atrai num homem é esse mistério todo, essa coisa que é diferente de mim. Tenho quase a certeza de que as relações que duram mais tempo têm a ver com a diferença. Quanto mais diferentes as pessoas são, mais há essa vontade de perceber o outro, o porquê daquele tempo, daquela atitude, daquela forma de estar, as coisas que se dizem e que se pensam. E depois tem de haver amor, que é outro mistério, e para isso não há explicação. Mas a procura é essa: perceber onde é que nasce a diferença. Não é com certeza por causa do pénis, isso seria muito simples, tem de haver ali outra coisa mais complicada.

Adoro ser mulher e sou bastante feminina. Sou muito caseira, gosto das coisinhas da casa, de bordar, das caminhas todas arranjadinhas, de parvoíces dessas.

O papel da mulher mudou de uma forma perversa para nós, sobretudo aqui em Portugal. A mulher tem direito a trabalhar ao lado do homem, mas depois continua a ser mãe, não lhe são dados direitos nenhuns em relação a isso. Trabalha como uma moura no banco ou no hospital ou no teatro, as horas iguaizinhas ao homem, depois chega a casa e tem os filhos, não teve tempo para estar com eles. Não há uma sociedade pensada e estruturada para a felicidade do ser humano. E a verdade é que a mulher do povo sempre trabalhou. Vê-se, nas fotografias do campo, as mulheres com as saias arregaçadas a ceifar ao lado dos homens.

A tal igualdade é perversa, é difícil. Nunca me veria a viver só em casa, mas via-me a trabalhar até às quatro da tarde, a chegar a casa a tempo de ir buscar os meus filhos à escola, de poder ajudá-los com os trabalhos de casa. Tenho direito a isso. Não é só nesta profissão que é difícil, há imensas profissões assim. As pessoas trabalham muito, trabalham muitas horas. Os empregados bancários e de escritório, os médicos, os enfermeiros, todos estão até à hora que for preciso. Se uma pessoa diz qualquer coisa, no outro dia vai para a rua, e se está a recibos verdes tem de estar caladinho.

Gosto dos homens e das mulheres, sou uma humanista, acredito na humanidade. Estou sempre intrigada, intrigam-me imenso as pessoas. Por isso é que sou actriz.

anasdiasg@gmail.com

?A partir de uma entrevista

com a actriz

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