Particulares já são “mais de 70% do valor total das insolvências”

Natália Nunes, coordenadora do Gabinete de Protecção Financeira da Deco, conta que já começa a haver mais casos de pedidos de insolvência de particulares.

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Natália Nunes coordena o Gabinete de Protecção Financeira da Deco Rui Gaudêncio

A Deco prevê que 2023 seja ainda mais difícil, tendo em conta que começam a surgir pedidos de insolvência de particulares. A actual subida de pedidos de insolvência ainda não é preocupante, porque as famílias ainda não esgotaram todas as soluções antes de pedir ajuda à associação. O pior é o que aí vem, admite Natália Nunes.

O que a preocupa mais: o aumento das taxas de juro, o preço da energia, dos combustíveis, a inflação?
Tudo, porque essas coisas acabam por estar todas ligadas. A inflação é muito preocupante para as famílias de baixos rendimentos, porque nós sabemos que é nos produtos de alimentação e na factura de energia que ela se verifica mais. E isso tem um grande peso nos orçamentos das famílias com menores rendimentos. Portanto, mesmo que a inflação venha a reduzir-se, vamos continuar a ter, nomeadamente entre aquelas famílias que recebem o salário mínimo ou até inferior ao salário mínimo, grandes, grandes dificuldades no próximo ano. Ligada à inflação temos a subida da Euribor. Também sabemos que ela está a subir muito para controlar a inflação; portanto, acaba por estar tudo relacionado. Claro que as duas questões, a inflação e a subida da Euribor, são dois aspectos que podem gerar grandes rupturas em termos financeiros por parte das famílias.

O primeiro-ministro, no debate da generalidade da proposta de Orçamento do Estado, dizia que a pobreza em Portugal que não está a aumentar. É essa a informação que chega à Deco? Há números sobre isso?
Nós não temos esses números, até porque acabamos por não trabalhar a questão da pobreza, mas lidamos com muitas famílias nessa situação. Aquilo que eu posso dizer é que este ano demonstrou-nos, pelo menos a nós, na Deco, que as famílias com menores rendimentos eram aquelas que estavam a ser mais afectadas, mas entretanto entraram [para esse grupo] muitas famílias que até há uns tempos tinham rendimentos que estavam na classe média, porque foram confrontadas, nomeadamente no período da pandemia, com situações como o lay-off e não conseguiram recuperar, tendo neste momento rendimentos muito inferiores àqueles que tinham há dois, três anos.

O que é que acontece às famílias que, no limite, não conseguem pagar os seus créditos? Há situações conhecidas pela Deco de pessoas que, por exemplo, passaram para uma situação de sem abrigo?
São situações muito extremas. Ainda não estamos nesse ponto. Entre 2008 e 2012, vimos essas situações de famílias que tiveram de abandonar as casas. E foi dramático. A nossa esperança é que não se volte a passar aquilo que surgiu nessa altura. De qualquer forma, temos já famílias com situações muito complicadas, porque têm baixos rendimentos e porque as prestações estão a subir e, portanto, estão na iminência de virem a ser confrontadas com essas situações. Mas antes de serem confrontadas com isso, e eu pensava que era essa a pergunta que iria fazer, elas são confrontadas com acções de execução, com a penhora dos seus bens. Ou, então, até as próprias famílias tomam a decisão de avançar para o processo de insolvência.

Já há casos desses?
Eles começam novamente a aumentar. Se nós fomos ver os dados do Ministério da Justiça, vemos que as insolvências dos particulares representam mais de 70% do valor total.

É um número que subiu?
É um número que subiu, sim, embora eu não tenha presentes os valores em concreto. Mas não são estas subidas que nos preocupam, são aquelas que vêm aí, até porque as famílias que estão agora a ter dificuldades só começam a tentar encontrar mecanismos para sair delas daqui a uns tempos. Não é quando começam a ter as primeiras dificuldades que as famílias vão a tribunal pedir a sua declaração de insolvência. Muitas vezes, só depois de esgotarem todas as soluções e de entrarem em situação de incumprimento é que vêm pedir ajuda.

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