Greve geral em França trava comboios e fecha escolas e refinarias

Macron diz que o plano de aumentar a idade da reforma em dois anos é “justo e responsável”. Em Paris, a polícia teve de usar gás lacrimogéneo contra manifestantes violentos.

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Milhares de pessoas desfilaram em Paris contra a reforma das pensões BENOIT TESSIER / Reuters

Os trabalhadores franceses organizaram uma greve esta quinta-feira e juntaram-se a marchas em todo o país, travando comboios e cortando a produção de electricidade em protesto contra os planos do Governo de aumentar a idade de reforma em dois anos para os 64.

A meio da tarde, a polícia francesa utilizou granadas de gás lacrimogéneo para reprimir parte da manifestação em Paris, quando um grupo de pessoas com a cara coberta começou a atirar projécteis na sua direcção.

A greve é um teste crucial para o Presidente Emmanuel Macron, que defende a reforma do sistema das pensões, que as sondagens dizem ser altamente impopular, como fundamental para garantir que o sistema de segurança social não colapsa. Em Madrid, onde se encontrou com o chefe do Governo espanhol, Pedro Sánchez, Macron disse que os planos governamentais são “justos e responsáveis” e apelou aos manifestantes para que evitem actos de violência e de vandalismo.

“São os salários e as pensões que devem ser aumentados, não a idade da reforma”, lia-se numa grande faixa transportada pelos trabalhadores que abriram a marcha em Tours. “Vou ter de arranjar um andarilho se esta reforma for em frente”, disse Isabelle, uma assistente social de 53 anos, que considera que o seu trabalho é demasiado duro para ter mais dois anos de actividade.

Em Nice, no Sul de França, um grande cartaz dizia: “Não à reforma”.

Aumentar a idade da reforma em dois anos e prolongar o período contributivo iria trazer mais 17,7 mil milhões de euros adicionais para as contribuições anuais da segurança social, permitindo que a sustentabilidade fosse alcançada em 2027, de acordo com as estimativas do Ministério do Trabalho. “Esta reforma é necessária e justa”, disse o ministro do Trabalho, Olivier Dussopt, à LCI TV.

Os sindicatos dizem que existem alternativas para garantir a sustentabilidade do sistema de pensões, como a taxação dos super-ricos ou aumentar as contribuições dos empregadores ou as contribuições dos pensionistas mais ricos.

“Este problema pode ser resolvido de uma forma diferente, através dos impostos. Os trabalhadores não devem ter de pagar pelo défice do sector público”, afirmou o líder da CFDT, a maior central sindical francesa, Laurent Berger.

Nas manifestações de Paris, Michel Liger, um bombeiro reformado de 65 anos, disse ter saído à rua por estar preocupado com as suas duas filhas. “As minhas filhas não deveriam ter de trabalhar mais do que eu”, afirmou, acrescentando que o Governo deveria tratar do que diz ser os “problemas reais”, incluindo no serviço de saúde.

Para os sindicatos, o desafio é transformar a oposição à reforma – e a fúria pela crise do aumento do custo de vida – num movimento de protesto social maciço capaz de acabar por forçar o Governo a mudar de rumo. Os líderes sindicais disseram que a greve desta quinta-feira era apenas o começo e espera-se que anunciem ao fim do dia novas acções de protesto.

A reforma das pensões tem ainda de ser aprovada pela Assembleia Nacional, onde Macron perdeu a sua maioria absoluta, mas espera contar com o apoio dos conservadores.

Música na rádio

Maquinistas, professores e trabalhadores de refinarias estão entre os que fizeram greve, bem como cerca de 45% dos funcionários da empresa energética EDF. A rádio France Inter passou o dia a transmitir música em vez da sua programação habitual e os motoristas de autocarros e funcionários públicos também participaram na greve.

Apenas uma em cada três até uma em cada cinco linhas do TGV funcionaram e praticamente nenhum comboio local ou regional circulou, de acordo com a empresa ferroviária SNCF.

Em Paris, algumas estações de metro estiveram fechadas e o trânsito sofreu fortes perturbações, por causa da escassez de comboios. Na Gare do Norte, as pessoas corriam para apanhar um dos poucos comboios em circulação, enquanto os funcionários, vestidos de colete amarelo, tentavam prestar assistência aos clientes confusos.

A empregada de restaurante Beverly Gahinet, que faltou ao trabalho porque o seu comboio foi cancelado, disse concordar com a greve, embora não tenha participado.

Mas nem todos foram tão compreensivos. “Não percebo, são sempre os mesmos a fazer greve e nós temos que aguentar”, dizia a agente imobiliária Virginie Pinto, enquanto aguardava o metro para poder ir trabalhar.

Uma proibição a greves espontâneas e a imposição de restrições que garantam serviços mínimos, em vigor desde 2007, têm limitado a capacidade dos sindicatos em desgastarem governos e as suas reformas ambiciosas. O facto de, desde a pandemia, o trabalho remoto se ter tornado mais comum também pode ter um impacto.

Cerca de sete em cada dez professores primários aderiram à greve, tal como professores de liceu, de acordo com os respectivos sindicatos, embora o Ministério da Educação tenha fornecido números muito inferiores. Em Paris, os estudantes conseguiram encerrar pelo menos uma escola secundária em apoio à greve.

Os dados da EDF e do operador da rede eléctrica RTE mostraram uma queda de cerca de 12% na produção de electricidade, levando França a ter de aumentar a importação. As descargas foram bloqueadas nas refinarias da TotalEnergies, mas a empresa disse que uma greve de um dia não teria capacidade para travar as operações de refinaria.

O impacto no tráfego aéreo limitou-se a uma redução de 20% dos voos em Orly, o segundo maior aeroporto parisiense. A Air France disse ter conseguido realizar todos os voos de longa duração previstos e 90% dos restantes.

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