Principal sindicato da Tunísia não reconhece eleições e ameaça convocar uma greve geral

As críticas da UGTT são especialmente significativas tendo em conta que a central sindical começou por apoiar Kais Saied e não deu indicação de voto aos seus membros no referendo constitucional.

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Manifestação de protesto contra o Presidente Kais Saied, em Maio Reuters/ZOUBEIR SOUISSI

O líder da mais importante central sindical da Tunísia, que já provou ser capaz de paralisar a economia e o país, desafiou o Presidente, Kais Saied, descrevendo como inúteis as eleições legislativas marcadas para dia 17 de Dezembro e rejeitando “o caminho actual”. As eleições serão as primeiras no país desde que o chefe de Estado assumiu todos os poderes executivos e levou a votos uma Constituição que torna impossível ser destituído, enterrando assim a histórica lei fundamental aprovada depois da queda do ditador Ben Ali, na revolta que inaugurou as chamadas Primaveras Árabes.

“Não aceitamos mais o caminho actual por causa da sua ambiguidade e do domínio individual, e pelas surpresas desagradáveis que esconde sobre o destino do nosso país e da democracia”, afirmou Noureddine Tabouni, secretário-geral da União Geral Tunisina do Trabalho (UGTT), num discurso perante milhares de apoiantes. “Vamos para umas eleições que não têm gosto nem cor. Eleições que resultam de uma Constituição que não abriu espaço a negociações nem contou com a aprovação da maioria”, descreveu Tabouni, arrancando gritos de “fantochada de eleições” à multidão reunida no Palácio dos Congressos de Tunes.

“Não vamos hesitar na defesa dos direitos e das liberdades, seja qual for o custo”, prometeu.

Para além de atacar os planos de Saied e o trabalho do Governo que este nomeou, dirigido pela primeira-ministra, Najla Bouden Romdhane, o líder sindical enumerou as suas reivindicações económicas e sublinhou a oposição aos projectos de privatização das empresas públicas de fornecimento de água, electricidade e transportes, rejeitando, ao mesmo tempo, a anunciada abolição dos subsídios estatais aos bens alimentares essenciais e aos custos da energia, tudo no contexto de “negociações secretas” com o FMI – o fim das subvenções é uma das condições do empréstimo de 1,8 mil milhões de euros que Saied acordou com o Fundo Monetário Internacional.

“Vamos combater por todos os meios legítimos possíveis” qualquer medida que “ataque as necessidades básicas e faça as pessoas passar fome”, prometeu Tabouni. Tendo em conta que “todos os indicadores económicos do país estão no vermelho”, Tabouni anunciou que convocará este mês o órgão executivo da UGTT para debater várias opções, incluindo a convocatória de uma greve geral.

Quando Saied declarou o estado de emergência, dissolveu o Parlamento e assumiu o poder executivo, a 25 de Julho de 2021, não contou com a oposição da UGTT. “A promessa de refundação da democracia tunisina enganou alguns, particularmente liberais e da esquerda radical, que viviam mal com o papel central que desempenhou na transição democrática o Ennahda, partido com origem no islamismo político”, escreveu no PÚBLICO Álvaro Vasconcelos, fundador do Forum Demos, que acompanhou de perto a transição tunisina, num texto a propósito do referendo constitucional.

Precisamente um ano depois da declaração do estado de emergência, ia a votos a nova Constituição que permite ao Presidente nomear governos sem aprovação parlamentar, dá prioridade às suas iniciativas legislativas e torna virtualmente impossível que seja destituído. Sadok Belaid, o jurista a quem Saied pediu que redigisse o texto, afirmou que não se reconhecia na versão levada a votos e avisou que esta “constrói as bases de um novo regime ditatorial faraónico”.

A oposição dividiu-se e alguns partidos apelaram ao voto “não”, enquanto o Ennahda, que era maioritário no Parlamento dissolvido por Saied, defendeu o boicote – enquanto outros quiseram esperar para ver, tendo em conta o bloqueio político em que o país se encontrava, a profunda crise económica e a pandemia, o partido acusou desde o início o Presidente de ter promovido “um golpe de estado”. A UGTT decidiu não dar nenhuma indicação de voto aos seus membros no referendo. Contas feitas, votaram oficialmente 30% dos eleitores inscritos e destes 94% aprovaram o novo texto.

Entre a tomada do poder e a consulta constitucional, o Presidente eleito em 2019 com o apelo a um voto “anti-sistema” passou a governar oficialmente por decreto e dissolveu o Conselho Superior da Magistratura, usando o sistema judicial para perseguir críticos e opositores.

Agora, espera-se que o conjunto da oposição defenda o boicote às eleições marcadas para daqui a duas semanas. Um voto que Saied fez questão de realizar no dia em que Mohamed Bouazizi se imolou pelo fogo em Sidi Bouzid, pequena cidade esquecida do centro da Tunísia, por ter sido expulso da rua em que vendia vegetais. Sidi Bouzid veio para a rua protestar e os protestos depressa se espalharam por todo o país – 29 dias depois caía uma ditadura com 23 anos.

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