Metade dos alunos portugueses não distingue factos de opiniões

Em Portugal, alunos desfavorecidos apresentaram maior probabilidade de indicar que aprenderam na escola a reconhecer informações tendenciosas na Internet do que alunos favorecidos.

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PAULO PIMENTA

Em Portugal, a percentagem de alunos que sabe distinguir facto de opinião é de 50%, quando a média da OCDE é de 47%, revela o relatório “Leitores do séc. XXI: desenvolver competências de leitura num mundo digital”, elaborado a partir do PISA 2018 e apresentado nesta terça-feira.

Um total de 55% dos alunos de 15 anos em Portugal diz ter recebido formação na escola sobre como reconhecer informação tendenciosa. E, ao contrário de outros países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico - OCDE, em Portugal, foram os alunos desfavorecidos que apresentaram maior probabilidade de indicar que aprenderam estas competências de literacia digital na escola. 

Estes são apenas alguns dados sobre Portugal recolhidos no âmbito do PISA 2018 e que constam do relatório “Leitores do séc. XXI: desenvolver competências de leitura num mundo digital” que “fornece as principais conclusões sobre como os alunos de 15 anos estão a desenvolver as competências de leitura que os ajudam a navegar pela informação num século XXI rico em tecnologia”. A OCDE apresentou, nesta terça-feira, este relatório, tendo, em simultâneo, sido divulgadas notas sobre alguns países, entre os quais Portugal.

O Instituto de Avaliação Educativa (IAVE), em colaboração com o Plano Nacional de Leitura (PNL), está a organizar umas jornadas, a realizar no final de Maio, que têm como objectivo, de acordo com informações enviadas à comunicação social, “promover um amplo debate na comunidade educativa sobre as questões da leitura, nomeadamente em meio digital”, e que envolverão professores, directores de escola e especialistas na área da leitura.

Nove em cada dez com ligação à Internet

Entre outros dados, refere-se que, em Portugal, 93% dos alunos que participaram no PISA 2018 indicaram possuir uma ligação à Internet em casa e um computador que podiam usar para fazer trabalhos escolares – a média da OCDE foi de 89%. “Em Portugal, cerca de 87% dos alunos (média OCDE: 79%) que frequentavam escolas desfavorecidas em comparação com 96% dos alunos (média OCDE: 94%) que frequentavam escolas favorecidas indicaram ter acesso à Internet e a um computador que podiam usar para os trabalhos escolares em casa”, especifica-se na nota relativa a Portugal.

No mesmo documento nota-se ainda que, em Portugal, 55% dos alunos indicaram ter recebido formação na escola sobre como “reconhecer se a informação é tendenciosa” – a média da OCDE é de 54%. Apesar de a diferença entre alunos de contextos favorecidos e desfavorecidos que aprenderam na escola a reconhecer informações tendenciosas na Internet ter sido, nos países da OCDE, de oito pontos percentuais a favor dos alunos favorecidos, em Portugal, “os alunos desfavorecidos apresentaram uma maior probabilidade de indicar que aprenderam estas competências de literacia digital na escola do que os alunos favorecidos (esta diferença é cerca de cinco pontos percentuais ou mais)”.

As conclusões deste levantamento mostram ainda que “os sistemas educativos com uma proporção maior de alunos que indicaram ter aprendido na escola competências digitais e possuir acesso digital em casa” apresentaram “uma maior tendência para distinguir correctamente facto de opinião na avaliação de leitura do PISA”. Em Portugal, a resposta aos itens de leitura do PISA sobre a distinção entre facto e opinião foi estimada em 50% correcta – a média da OCDE é 47%.

“Menos de metade dos jovens não distingue factos de opiniões. Antes, os jovens liam na enciclopédia e sabia-se que o que estava lá escrito era verdade. Agora procuram informação na Internet”, alertou, citado pela agência Lusa, o director da OCDE para a Educação, Andreas Schleider, durante a apresentação do relatório, dirigido a estudantes de 15 anos de 79 países e economias. “As escolas podem mudar esta realidade”, acrescentou, sublinhando, entre outros, a importância de aprender competências digitais na escola. Para este director, nesta missão “não basta transmitir conhecimento é preciso cativar os jovens”, até porque quando se interessam por um assunto “têm uma energia infinita e conseguem passar horas seguidas envolvidos num tema”.

O mesmo responsável salientou que, apesar de “as pessoas terem mais tecnologias ao seu dispor, a maioria dos jovens não sabe navegar na internet” e que “os jovens que lêem mais livros em formato papel estão mais preparados para navegar na internet”. O director notou também que “as notícias online são muito mais populares em 2018 do que eram em 2009”, numa sessão em que, de acordo com a agência Lusa, foi ainda assinalado que ler emails deixou de ser “popular” e que “está fora de moda entre os jovens”, que também passam menos tempo a discutir em fóruns. Em alternativa, gostam mais de estar em conversas online e é na Internet que procuram notícias.

Professores estimularam envolvimento com leitura

No que se refere às práticas dos professores, os resultados do relatório mostram que “os alunos em Portugal indicaram ter obtido estímulos positivos do professor para o envolvimento com a leitura” (0,12 quando a média da OCDE está em zero). “Mais de 60% dos alunos neste país indicaram que, na maioria ou em todas as aulas, o professor: incentiva os alunos a expressarem a sua opinião (61%); mostra aos alunos como a informação nos textos se baseia no que eles já sabem (62%) e apresenta questões que motivam os alunos a participarem activamente (63%)”, lê-se.

A associação entre o estímulo dos professores para o envolvimento com a leitura e a leitura por prazer dos alunos “é positiva em todos os países e economias participantes no PISA 2018”. Mas Portugal “é um dos 14 países e economias – de 77 com dados disponíveis neste índice – em que o estímulo dos professores para o envolvimento na leitura não está associado com o desempenho a leitura”.

Ler textos de ficção e textos longos para a escola com mais frequência foi positivamente associado ao desempenho da leitura na maioria dos países: “No entanto, em Portugal, os alunos que relataram ter lido livros de ficção duas ou mais vezes durante o último mês não obtiveram pontuação diferente da dos alunos que não o fizeram”, lê-se. Quanto aos alunos que “indicaram ter lido textos mais longos para a escola (101 páginas ou mais), obtiveram 16 pontos a mais a leitura do que aqueles que indicaram ter lido pedaços de texto menores (dez páginas ou menos)”.

Em Portugal, os alunos obtiveram pontuações superiores na média da OCDE no desempenho a leitura (492, quando a média da OCDE é 487) e apresentaram também níveis “semelhantes” de percepção de dificuldade da avaliação da leitura no PISA. Como em 69 outros países, “os alunos desfavorecidos em Portugal consideraram a avaliação da leitura no PISA mais difícil do que os alunos favorecidos”. Essa diferença na percepção da dificuldade entre alunos favorecidos e desfavorecidos, em Portugal, foi de -0,17 (média da OCDE: -0,22).

Em média, nos países da OCDE, os rapazes consideraram o teste de leitura no PISA mais fácil do que as raparigas, embora tenham obtido pontuações a leitura 25 pontos a menos. Já em Portugal, os rapazes consideraram o teste de leitura do PISA mais complicado do que as raparigas e tiveram 22 pontos a menos.

No que se refere ao tópico “leitura de textos impressos num mundo digital”, observa-se que, quando “comparados com os alunos que raramente ou nunca lêem livros, em Portugal, os leitores de livros impressos obtiveram mais 44 pontos a leitura (média da OCDE: mais 49 pontos); os leitores de livros digitais pontuaram 11 pontos a mais (média da OCDE: 15 pontos a mais); e aqueles que equilibram a leitura impressa e digital obtiveram 36 pontos a mais (média da OCDE: 37 pontos a mais)”. Ainda quando “comparados com os alunos que raramente ou nunca lêem livros, em Portugal, os leitores de livros digitais e impressos lêem cerca de três horas e meia a mais por semana (média da OCDE: três horas e quatro horas, respectivamente); e aqueles que equilibram ambos os formatos lêem cerca de cinco horas ou mais por semana” (média da OCDE: cinco horas).

Raparigas lêem mais por prazer

Já o índice “Ler por Prazer” diminuiu entre 2009 e 2018, em média, nos países da OCDE e em Portugal também. “Os alunos de Portugal, bem como os da Áustria, Hungria, Sérvia e Tailândia, assim como a média da OCDE, indicaram significativamente menos leitura por prazer, mas mais horas de leitura em 2018 do que em 2009”, lê-se no documento. As raparigas e os alunos com estatuto socioeconómico mais elevado “tipicamente indicaram níveis mais elevados no índice Ler por Prazer”: “No entanto, esta diferença entre rapazes e raparigas foi maior em Portugal – 0,74 pontos (média da OCDE: 0,6 pontos). A diferença no índice Ler por Prazer entre alunos desfavorecidos e alunos favorecidos em Portugal situou-se na média da OCDE (0,43 e 0,45 pontos, respectivamente)”, refere o relatório.

O documento nota ainda que cerca de um em cada cinco alunos, em média, nos países da OCDE, sentiu-se perdido no teste PISA ao navegar por páginas diferentes e que Portugal apresentou uma percentagem semelhante de alunos (17%) que indicaram ter sentido estas dificuldades.

“Em Portugal, cerca de 28% dos alunos seguiram as instruções dos itens na avaliação de leitura do PISA, seleccionando cuidadosamente as páginas relevantes para as tarefas, limitando as visitas a páginas irrelevantes (navegação estritamente focada) e navegando activamente em itens de fonte única e múltipla (navegação activamente exploratória). Esses comportamentos de navegação estão fortemente correlacionados com o conhecimento de estratégias eficazes de leitura e desempenho a leitura”, refere o documento.

Em Portugal, os alunos apresentaram ainda “níveis semelhantes de conhecimento de estratégias de leitura para avaliar a credibilidade das fontes” aos da média da OCDE. “Os alunos em Portugal, bem como na Alemanha, Luxemburgo, Suíça e Estados Unidos, em particular, apresentaram a maior diferença socioeconómica (cerca de 0,65 pontos ou mais) no índice de conhecimento de estratégias de avaliação da credibilidade das fontes”, lê-se no documento.

No PISA 2018, participaram cerca de 600 mil alunos, que representam perto de 32 milhões de jovens de 15 anos das escolas dos 79 países e economias participantes.

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