Os estudantes internacionais pedem socorro

Longe das famílias e sem apoio das instituições de ensino superior diante da actual crise, muitos estudantes estrangeiros terão que voltar ao seu país sem concluir os estudos.

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Paulo Pimenta

O período de férias de Verão está aí e, desta vez, ao invés de estarmos aliviados e celebrarmos o término de mais um semestre, estamos apreensivos com tantas incertezas sobre o próximo ano lectivo. Para nós, estudantes internacionais, a grande incerteza é se teremos mesmo condições de dar continuidade aos nossos estudos, de concluir a licenciatura, o mestrado ou o doutoramento. Já é sabido que a crise socioeconómica, sem precedentes, causada pela covid-19, atinge todos os sectores da sociedade. Porém, os estudantes internacionais que vivem em Portugal, principalmente os que vêm do Brasil, têm experimentado o peso dessa crise sob os seus ombros sem o apoio das instituições de ensino superior portuguesas que, neste momento crítico, têm negado sistematicamente pedidos de ajuda mais básicos como um vale-alimentação.

De acordo com dados da Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC), os estudantes internacionais são mais de 58 mil, o que representa 15% do total de estudantes inscritos no ensino superior português no primeiro semestre lectivo 2019/2020. Os alunos brasileiros lideram o ranking dos internacionais, com 21 mil inscritos. De acordo com um levantamento realizado pelo PÚBLICO recentemente, os estudantes internacionais geram receitas anuais da ordem de 20 milhões para os cofres das universidades e dos politécnicos portugueses, ou seja, atrair esse público tornou-se um grande negócio para as instituições de ensino superior. As propinas cobradas para os internacionais chegam a ser três, quatro vezes maior do que a dos alunos nacionais, chegando, até mesmo, a 7 mil euros anuais.

Uma vez encontrada “a galinha dos ovos de ouro”, as universidades têm apostado fortemente na internacionalização, com grande foco nos estudantes brasileiros. Com o Estatuto do Estudante Internacional, de 2014, a nota do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) do Brasil passou a ser aceite como critério de selecção para licenciatura e mestrados integrados. Os núcleos de marketing das universidades passaram a direccionar as suas acções para atrair esse público, realizando feiras internacionais no Brasil, entre outras campanhas que vendem uma imagem de que as instituições de ensino superior em Portugal são reconhecidas pela qualidade de ensino e pelo acolhimento aos estudantes estrangeiros.

De facto, as universidades portuguesas têm sido cada vez mais reconhecidas pela qualidade de ensino em diversos rankings internacionais. Já em relação ao acolhimento, isso é questionável. Se acolher significa realizar eventos de integração, sim, pode ser que as universidades sejam mesmo acolhedoras. Mas se acolher significa prestar apoio ao estudante de outro país que se encontra em situação vulnerável, então podemos dizer que isso é uma tremenda falácia a começar pela lei que regula o funcionamento dos Serviços de Acção Social (Decreto-Lei n.º 129/93) e exclui grande parte dos estudantes estrangeiros como beneficiários desses serviços. Diante da não-obrigatoriedade em prestar essa assistência, os Serviços de Acção Social das universidades têm negado sistematicamente aos estudantes internacionais os pedidos de socorro mais básicos como alimentação durante a pandemia. Há, também, relatos de estudantes que estão a ser pressionados a deixar os alojamentos durante as férias de Verão sem terem para onde ir. E onde está a responsabilidade social dessas instituições?

Nós, estudantes brasileiros, ainda enfrentamos uma crise política, económica e sanitária sem precedentes em nosso país. O Brasil é agora o epicentro da pandemia de acordo com a Organização Mundial da Saúde. Sofremos uma brutal desvalorização cambial de nossa moeda, o que impacta directamente nos custos de vida aqui em Portugal. O planeamento financeiro que tínhamos antes da pandemia foi totalmente alterado e nem é preciso falar das dificuldades de se conseguir um emprego no actual cenário. Tudo isso compromete a nossa permanência para o próximo ano lectivo.

Mas há uma boa notícia diante desse cenário: ainda há tempo para reverter essa situação. Vai depender das universidades portuguesas agirem, rapidamente, para incentivar os estudantes internacionais a não abandonarem seus estudos. Essas instituições têm autonomia para reduzir as propinas por um período determinado, para diminuir o valor pago pelos internacionais nos alojamentos, entre outras acções que podem evitar a evasão iminente desses estudantes. Queremos, de facto, sentirmo-nos acolhidos e lembrar que essas instituições de ensino estiveram ao nosso lado no momento em que mais precisamos. Queremos que nossos familiares, que estão distantes e preocupados, se sintam confiantes de que poderão arcar com os custos até o fim do próximo ano lectivo. Queremos dizer aos colegas do Brasil que estudar em Portugal é uma óptima experiência. Agora, está nas mãos das universidades escrever essa história.

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