Os avanços e recuos na lei da nacionalidade

Um “português” que desconhece em absoluto a língua não passará de um titular de um livrinho com a palavra “passaporte” e uma esfera armilar.

Há poucas matérias mais sensíveis e controversas do que uma lei da nacionalidade. É muito difícil delimitar direitos e obrigações a pessoas com ligações frágeis ou inexistentes a Portugal ou situar o quadro mínimo de referências culturais que estão na base de uma pertença à comunidade nacional. É uma daquelas matérias que, muitas vezes, são mais discutidas ou decididas com a emoção do que com a razão, que separam ideologias, partidos e gerações, que começam no protótipo de um certo ser português que não existe ou que acabam numa tolerância que coloca a concessão da nacionalidade no mesmo nível de exigência que se reclama à venda de um bilhete de autocarro.

Portugal é um país onde ao longo da História desaguaram todas as migrações europeias e tem na sua História séculos de contactos e colonização em diferentes continentes. Não pode fechar-se sobre si mesmo. Mas, até pelas suas responsabilidades europeias, não deve escancarar-se em nome de uma suposta generosidade.

A proposta do PS no grupo de trabalho que se dedica a desenhar uma nova lei revela um sentido de equilíbrio que vale a pena considerar. Não fecha as portas a novos cidadãos, recupera outros que em 1975 se viram injustamente privados da cidadania nacional, principalmente oriundos das ex-colónias, e coloca entraves a terceiros, os descendentes da diáspora sefardita, que se suspeita procurarem no passaporte português um salvo-conduto para se movimentarem na União Europeia. Um bebé que nasce em Portugal no seio de uma família que vive no território nacional há mais de um ano deve ser português. Um homem ou uma mulher que seja casado com um cidadão nacional e que tenha filhos comuns em Portugal deve ter direito à nacionalidade. Um judeu sefardita só deverá ter nacionalidade portuguesa se residir em Portugal há pelo menos dois anos.

Mas há um dado que infelizmente parece condenado a desaparecer na nova lei: a garantia de existência de “laços de efectiva ligação à comunidade nacional” que a legislação anterior consagrava. Ao contrário das exigências em muitos países, um cidadão estrangeiro pode em teoria obter a nacionalidade por naturalização não percebendo uma palavra de português, não sabendo as cores da bandeira ou qual a capital política e administrativa do país. Se as propostas do PS colocam alguma sensatez aos excessos do Bloco, PCP e PAN, que pretendem transformar a atribuição da nacionalidade a um automatismo burocrático, se revelam equilíbrio sem prescindir da ideia de um país aberto, falta-lhe ainda assim essa dimensão da memória e da cultura. Um “português” que desconhece em absoluto a língua não passará de um titular de um livrinho com a palavra “passaporte” e uma esfera armilar.

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