Coronavírus: Linha SNS24 não atendeu um quarto das chamadas em dia de pico da procura

Linha de apoio ao médico deixa clínicos sem resposta horas a fio. Há médicos que ligam dezenas de vezes, sem sucesso. Mulher da região de Lisboa é o sexto caso confirmado da doença em Portugal.

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A Linha SNS24 atingiu um máximo histórico de procura na última segunda-feira Daniel Rocha (arquivo)

Portugal ainda não tem um plano de contingência de âmbito nacional, uma estratégia integrada de resposta à epidemia do novo coronavírus.  E a primeira linha de contacto que serve para os cidadãos esclarecerem dúvidas e não irem a correr para as urgências – a Linha SNS24, composta por enfermeiros, que atingiu um máximo histórico na segunda-feira, dia em que foram confirmados os dois primeiros casos de Covid-19 no país – não conseguiu atender mais de um quarto das chamadas em tempo útil, a crer nos dados do Portal da Transparência do SNS.

No dia 2, do total de 13.532 chamadas efectuadas para o serviço, 3569 foram “abandonadas após 15 segundos”, uma designação técnica que pode significar minutos e que levou a que as pessoas desistissem, entretanto, de esperar pelo atendimento. Do total, cerca de 9.100 chamadas foram atendidas pelos enfermeiros.

A funcionar pior está a linha vocacionada para orientar os médicos de todo o país para validação de eventuais casos suspeitos, a chamada Linha de Apoio ao Médico (LAM), que foi criada há semanas. As denúncias de esperas intermináveis avolumam-se: há médicos que aguardam várias horas para serem atendidos, sem sucesso, há outros que insistem dezenas de vezes, sem resposta, há doentes que se cansam e se vão embora, relata o secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos (SIM), Roque da Cunha, que está a reunir emails de colegas “desesperados com o silêncio da linha”. “[Esta] funciona tão bem que desde ontem (24 horas) aguardo o contacto para a orientação de dois casos suspeitos e já liguei hoje. Enfim, tudo controlado”, queixava-se esta semana um responsável de uma Unidade de Saúde Familiar do Porto.

“É de lamentar que a Direcção-Geral da Saúde (DGS) tenha como primeira linha de vigilância epidemiológica um call center”, critica Roque da Cunha, insistindo que deveriam ser médicos de saúde pública a “estar na frente desta batalha, em vez de estarem imersos em burocracia” e o facto de haver tantos telefonemas que ficaram por atender na segunda-feira.

A Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS), que gere a SNS24 (808 24 24 24), garante que, em média, esta atende mais de 90% das chamadas em menos de 20 segundos, mas admite que há alturas do dia em que, devido aos picos de afluência, o tempo de espera possa ser superior. E adianta apenas que na segunda-feira houve uma “maior procura”, sem mais detalhes.

Sem forma de dar resposta a tanta procura, na semana passada a Administração Regional e Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARS-LVT) pedia, com “urgência”, aos responsáveis dos vários agrupamentos de centros de saúde (ACES) que ajudassem a recrutar mais médicos para a LAM e mais enfermeiros para a SNS24, refere um ofício a que o SIM teve acesso. Outra nota, esta enviada pelo ACES de Lisboa Central, especificava que a ARS-LVT pedia a ajuda para a constituição de um grupo de médicos que assegurasse dois turnos diários logo no dia seguinte. E estes podiam ser mesmo médicos internos (os que estão ainda a fazer a especialidade) do 4.º ano, admitia.

Seis casos confirmados

“Onde está o plano de contingência nacional?”, pergunta Roque da Cunha. O que existe, por enquanto, é uma manta de retalhos de planos de contingência (os de cada unidade de saúde), já tinha criticado há dias o presidente da Federação Nacional dos Médicos (Fnam), Noel Carrilho. Também o presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública, Ricardo Mexia, não se tem cansado de exigir este plano. E a bastonária da Ordem dos Enfermeiros, Ana Rita Cavaco, gostava igualmente de saber quando será conhecida a estratégia nacional. “Assim que se começou a perceber que o surto iria chegar cá, o plano de contingência já devia estar implementado”, defende.

Quanto a materiais de protecção, como máscaras, luvas e outros, Ana Rita Cavaco adianta que estes só começaram a chegar ontem aos centros de saúde e que nos hospitais muitos dos materiais que existiam em stock estão a ser guardados nos gabinetes dos enfermeiros-chefes para não desaparecerem, como já aconteceu nalgumas unidades.

Ao início da noite de ontem, a DGS elevou para seis o total de casos confirmados de infecção por coronavírus no país – o novo doente é uma mulher entre os 40 e os 49 anos, da região de Lisboa, que se junta aos cinco casos conhecidos desde segunda-feira, todos em homens. Do total de seis casos confirmados em Portugal, quatro são importados do estrangeiro e os restantes dois têm ligação a casos já confirmados da doença no país. Há ainda 81 pessoas sob vigilância e o número total de casos suspeitos é agora de 117.

Também ontem, depois de se saber que um professor da Escola Superior de Música e Artes do Espectáculo do Porto (ESMAE) era o quinto caso confirmado de infecção pelo novo coronavírus em Portugal, a escola encerrou até serem conhecidas novas orientações. com Ana Maia

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