O populismo ambientalista

Quem acha que detém a verdade absoluta em matéria ambiental tem pouca ou nenhuma abertura à critica e a opiniões contrárias de qualquer tipo. Vê o mundo como uma luta do bem (absoluto) contra o mal (absoluto).

1. O populismo tem sido denunciado como uma forma de perversão da democracia. É acusado de não respeitar os princípios e as regras fundamentais da democracia liberal-pluralista, reduzindo-a a uma mera vontade da maioria com tendências para o autoritarismo. O ideário populista iliberal alimenta-se da acção de um líder carismático, manipulador, por vezes com um discurso messiânico, que fala de forma simples e emotiva às massas, contornado os partidos políticos do establishment e a representação parlamentar. A Liga de Matteo Salvini, em Itália e o Fidesz de Viktor Orbán, na Hungria, ou num registo alternativo e à esquerda, o Podemos de Pablo Iglesias, em Espanha, e o Syriza, de Alexis Tsipras, na Grécia, são exemplos de diferentes abordagens populistas. A estes junta-se Boris Johnson, no Reino Unido e Donald Trump, nos EUA. O populismo tem mau nome e os eleitores populistas são uns “deploráveis”, na célebre frase de Hillary Clinton em 2016 (Calls Many Trump Backers ‘Deplorables,’ and G.O.P. Pounces, New York Times, 10/09/2016).

2. Uma das características do populismo está na dificuldade de enquadrar as ideias que lhe estão associadas nas ideologias políticas convencionais, de esquerda ou de direita. Por isso, tende a atrair pessoas com múltiplos pontos de vista e diversas sensibilidades ideológicas, ao aglutinar no seu discurso uma amalgama ideias difíceis de articular, frequentemente contraditórias (está próximo da lógica do catch-all party). As assimetrias e desigualdades criadas pela globalização e os fluxos migratórios de massa de refugiados e migrantes económicos têm estado no centro da contestação populista. Agora está a surgir uma nova causa para uma outra contestação populista: o ambiente. Na sua origem estão as alterações climáticas e o impacto que a actividade humana tem nas mesmas e no (des)equilíbrio do planeta, bem como a inacção política para as combater. A base de apoio não está nos “deploráveis”, os conservadores-nacionalistas da América de Donald Trump (estes frequentemente menosprezam o problema). Está nos “perpetuamente ofendidos” da era das redes sociais — poderíamos também chamá-los moralistas seculares — aqueles que descobrem todos os dias que alguém disse algo, pensa algo, ou fez algo que os ofende (ver Lady Lolita, The Perpetually Offended. Calm Down Everyone! No Need For All This Outrage, em The Glass House Magazine, 30/05/2019). 

3. O populismo ambientalista dos “perpetuamente ofendidos”, tal como o populismo dos “deploráveis”, não tem na coerência de ideias uma virtude. Como é usual na propaganda política, o populismo recorre ao uso de slogans destinados provocar a acção e a impedir a reflexão. É o caso do conhecido slogan “Não há planeta B”. Se reflectirmos naquilo que nos está a ser dito não passa de uma verdade de La Palice — só há vida humana na terra, a não ser para os que acreditam em filmes de ficção científica. As frases simples(listas) têm a vantagem de chegar facilmente às massas. Todavia, mostram também facilmente as suas contradições num escrutínio atento. A esse problema não escapam os “lugares-comuns” de um certo ambientalismo de massas. (Ver O ambientalista simplórioVisão de  5/6/2019).

Se esse tipo de populismo ambientalista é relativamente anódino, já numa outra versão, imbuída de zelo missionário, adquire tonalidades messiânicas com consequências sociais e políticas mais problemáticas. O fenómeno é observável nas sociedades seculares ocidentais, onde a religião tradicional, o Cristianismo, está em declínio. Novas religiões seculares de substituição estão a ocupar o vazio. O ambientalismo messiânico reflecte a tendência e a moda. Dá aos seus adeptos um sentimento de superioridade moral e de verdade absoluta que, se fosse expresso numa lógica religiosa tradicional judaico-cristã, seria atacado como fundamentalista ou fanático. Um bem absoluto religioso tradicional hoje só é socialmente bem aceite no Islão. Não é por acaso que nas sociedades islâmicas, e noutras não ocidentais, não há espaço para um messianismo ambientalista secular. Mas o populismo ambientalista messiânico actua num contexto cultural-sociólogo judaico-cristão, apropriando-se, de forma deliberada ou não, da escatologia religiosa. Agita o espectro familiar do apocalipse, da proximidade do fim dos tempos, agora numa versão ambiental. Propõe-se salvar a humanidade de si própria — mesmo os que não querem ser salvos. 

4. A atenção largamente exagerada que Greta Thunberg tem tido nos media, quer pelos que a idolatram, quer por aqueles que a denigrem, é um barómetro das tendências sociais e políticas em curso. Para os que a idolatram, é a admirável criança/jovem sueca, inocente, pura, que admoesta os impuros e descrentes adultos pelos seus pecados ambientais e inércia política. Para os seus detractores, é uma fraude criada pelos adultos que se escondem por detrás desta para promover a sua causa. Seja como for, o recente discurso de Greta Thunberg na Assembleia Geral das Nações Unidas ecoa episódios bíblicos familiares nas sociedades ocidentais — a criança crente ralha com os adultos descrentes.

A questão não é a das intenções generosas de Greta Thunberg, que certamente existem independentemente dos interesses que se possam mover à sua volta. Não é também da importância da adopção de políticas adequadas para atenuar os problemas ambientais, pois são uma necessidade inquestionável. A questão é a de saber se esta forma de chamar à atenção para o problema ambiental não se arrisca a transformar uma ideia importante — a da necessidade de preservação do planeta e o equilíbrio ecológico — num populismo dogmático e intransigente. Quem acha que detém a verdade absoluta em matéria ambiental tem pouca ou nenhuma abertura à critica e a opiniões contrárias de qualquer tipo. Vê o mundo como uma luta do bem (absoluto) contra o mal (absoluto). Mais perigoso ainda é ficar predisposto, de forma consciente ou inconsciente, a aceitar políticas autoritárias que reflictam a sua visão do mundo, se estas forem embaladas numa virtuosa linguagem moral de moda. Afinal, quem não quer salvar o planeta e a humanidade? Só os maus.

5. Promover um populismo ambientalista como uma força do bem contra o mal, como certos sectores que se vêem como progressistas pretendem — invocando a necessidade de uma “estratégia política contra-hegemónica” do capitalismo para atacar as suas injustiças sociais e males ambientais —, é potencialmente abrir caminho a males ainda maiores. Achar que um populismo ambientalista será um “populismo emancipatório” é um idealismo e/ou um artifício retórico. (Ver Diego Andreucci, Should political ecology be populist? in Steps CENTRE, 31/09/2019).

Apelar à emoção populista  para resolver problemas ambientais não é solução. No mundo, já temos demasiados populismos, alguns a danificar seriamente a democracia liberal, à direita e à esquerda, não precisamos de mais. Não precisamos também de discursos apocalípticos, nem messiânicos, ainda que sejam bem-intencionados e pretendam chamar à atenção para um problema sério. Acabam por ser a imagem no espelho dos que negam qualquer impacto da acção humana no ambiente. A história da humanidade mostra como uma vez este quadro mental socialmente instalado se abre a porta ao radicalismo, à intolerância intelectual e ao autoritarismo político. Em nenhuma esfera da vida humana há soluções simples(istas) para problemas complexos. No ambiente também não existem.

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