TC insiste que acesso das secretas aos metadados é inconstitucional, mas admite em casos de terrorismo

Serviços de informação não podem ter acesso a dados de tráfego, como a hora, duração e números dos telefonemas. E aos dados de localização dos telefones só podem aceder para efeitos de combate ao terrorismo e criminalidade organizada.

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CR Carla Rosado

À segunda, o resultado foi quase o mesmo de há quatro anos: o Tribunal Constitucional voltou a rejeitar a possibilidade de os serviços de informações terem acesso aos metadados, ou seja, a informações telefónicas, como os números contactados e as respectivas datas, e de tráfego de internet dos cidadãos.

Os juízes do palácio Ratton decidiram que o acesso a dados de telecomunicações e internet pelos oficiais das secretas a informação da facturação detalhada como a hora e a duração das chamadas, assim como os números envolvidos, viola a Constituição, confirmou ao PÚBLICO, congratulando-se, o deputado comunista António Filipe.

Porém, o TC considerou que só é possível o acesso aos dados de base (informação sobre o acesso à rede pelos utilizadores, com a identificação e morada destes, e o contrato de ligação à rede) e aos de localização (a posição geográfica do equipamento) dos telemóveis para efeitos de combate ao terrorismo ou criminalidade organizada no âmbito de fundadas suspeitas, descreve o deputado do PCP, partido que com o Bloco e o PEV pediu ao TC a fiscalização sucessiva da lei aprovada em 2017.

As justificações de que o acesso pode ser feito por questões relacionadas, de forma geral, com a "salvaguarda da defesa nacional e da segurança interna”, também foram declaradas inconstitucionais. Ou seja, só é permitido o acesso aos dados de base e de localização para “produção de informações” necessárias à “prevenção de actos de sabotagem, espionagem, terrorismo, proliferação de armas de destruição maciça e criminalidade altamente organizada e no seu exclusivo âmbito”.

Este é pelo menos um pequeno passo à frente do que existia antes desta lei, quando não era possível aceder a qualquer informação.

Mas há uma conclusão que resulta da análise da votação de cada juiz conselheiro do TC expressa no acórdão, que inclui extensas declarações de voto de todos (maiores do que o próprio texto da decisão). A declaração de inconstitucionalidade do acesso aos dados de tráfego (data, hora e números) foi votada a favor por sete conselheiros e contra por seis. Mas dos sete votos a favor, duas conselheiras (Catarina Sarmento e Castro, indicada pelo PS, e Clara Sottomayor, pelo Bloco) já não estão no TC no momento de assinar o texto aprovado na sessão plenária de dia 18. Porém, o que conta é a votação, que já estava feita.

O processo dos metadados foi, aliás o motivo que levou à renúncia de Clara Sottomayor ao  cargo no TC: a conselheira era a relatora do acórdão, em cujas conclusões os restantes juízes se reviam na generalidade, mas discordavam das considerações que esta fazia comparando violência doméstica e terrorismo​. O mal-estar precipitou a sua saída e a transferência da tarefa de redacção do acórdão para o juiz Lino Rodrigues Ribeiro, mantendo-se a votação que já tinha sido realizada. No caso de Catarina Sarmento e Castro, a sua saída e posterior eleição de Mariana Canotilho ficou a dever-se ao final de mandato.

Lei em vigor; 15 acessos a metadados aprovados

Apesar do pedido de fiscalização sucessiva dos três partidos, a lei está em vigor desde o ano passado (quando a regulamentação foi concluída) mas só pôde ser aplicada a partir de Março, quando ficou pronta a aplicação informática para elaborar os pedidos ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ). Tal como o PÚBLICO noticiou em Julho, nos primeiros quatro meses, o STJ recebeu e autorizou todos os 15 pedidos feitos pelos serviços de informações para acederem a dados de tráfego de comunicações móveis. As decisões foram todas tomadas por unanimidade dos três juízes encarregues do processo.

O pedido de fiscalização sucessiva ao TC foi feito em Janeiro do ano passado pelos deputados dos três partidos, que argumentaram que o acesso aos metadados, mesmo que autorizado pelo Supremo Tribunal de Justiça, se faz fora do âmbito do processo criminal, o que viola a Constituição. Além disso, equipara os dados de localização [dos telefones] aos dados de tráfego [das comunicações] e quem acede à informação são os oficiais dos serviços de informações, que não têm intervenção no processo penal visto que a sua função é de prevenção e não de investigação. Trata-se de oficiais de informações do Serviço de Informações de Segurança (SIS) e do serviço de Informações Estratégicas de Defesa (SIED) que não são considerados serviços de investigação judicial.

O recurso à autorização do Supremo para que os serviços secretos possam fazer intercepção de dados de comunicações foi precisamente a forma que o PS e a direita encontraram para contornar o primeiro chumbo do Tribunal Constitucional, de 2015.

O texto comum partiu de uma proposta do Governo e de um projecto de lei do CDS, e acabou por aprovado em Julho de 2017 com os votos do PS, PSD e CDS e a abstenção do PAN. Bloco, PCP e PEV votaram contra. Esta nova versão também estipula prazos mais curtos para a autorização de acesso à informação. Depois de ter sido aprovada o Parlamento e promulgada, a lei precisava de ser regulamentada (definindo as condições técnicas e de segurança em que os serviços acedem aos metadados), algo que o Governo demorou vários meses a fazer, apesar do protesto da direita.

Em Agosto de 2017, quando promulgou o diploma, Marcelo Rebelo de Sousa vincou o “consenso jurídico atingido” que permitira “ultrapassar as dúvidas que haviam fundamentado anteriores pedidos de fiscalização preventiva da constitucionalidade”. E argumentou com a importância do regime dos metadados “para a defesa do Estado de direito democrático, e em particular para a protecção dos direitos fundamentais”.

O seu antecessor, Cavaco Silva, também considerava que o acesso dos espiões aos metadados de cidadãos tinha “plena justificação face às novas ameaças à segurança nacional”, mas enviou o primeiro diploma para apreciação preventiva pelo TC para, justificou na altura, “esclarecer as dúvidas que têm sido suscitadas” sobre a sua constitucionalidade​. 

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