Acusação do colapso do BES deve estar concluída até início do próximo ano

Há mais de três anos que o Ministério Público aguarda pelo envio de informações das autoridades suíças, o que fez com que procuradores falhassem prazo limite para terminar investigação.

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Ricardo Salgado Nuno Ferreira Santos

A acusação criminal relacionada com o colapso do Banco Espírito Santo (BES) e do grupo empresarial controlado pela mesma família deve estar concluída até ao início do próximo ano. Essa é pelo menos a expectativa do Ministério Público, que aguarda há mais de três anos pelo envio de informação pedida às autoridades suíças, que se terão comprometido a remeter os elementos solicitados pelo Ministério Público português até final de Novembro.

A equipa que investiga o caso, que é conhecido entre os procuradores como o maior inquérito-crime de sempre da Justiça portuguesa, terá então três meses para concluir a acusação, decidiu esta segunda-feira o director do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), Albano Morais Pinto.

O compromisso das autoridades suíças deverá estar relacionado com a evolução da polémica que envolve o actual procurador-geral suíço, Michael Lauber, que foi afastado por um tribunal federal da direcção de um inquérito de corrupção que visa antigos responsáveis da FIFA por ter mantido várias reuniões secretas com o actual presidente daquele organismo internacional, Gianni Infantino. Apesar de ter um processo disciplinar relacionado com estes factos, Michael Lauber é candidato a um novo mandato como procurador-geral da confederação helvética, uma eleição que decorrerá em Setembro e permitirá clarificar a sua posição.

Neste momento, o Ministério Público não equaciona concluir a investigação ao colapso do BES sem receber formalmente os elementos vindos da Suíça. Até porque os procuradores do DCIAP que estão com o caso já conhecem a esmagadora maioria dos elementos cujo envio aguardam, já que estiveram na Suíça em Maio de 2016 a acompanhar grande parte das buscas e das audições que solicitaram às autoridades suíças.

Por isso, terão a investigação avançada. Segundo o PÚBLICO apurou, o despacho final do caso terá muitos milhares de páginas, superando previsivelmente as mais de 4 mil folhas da acusação da Operação Marquês.

prolongamento da investigação foi decidido esta segunda-feira, o dia que o antigo director do DCIAP, Amadeu Guerra, determinou como prazo limite da investigação, no início deste ano. O magistrado saiu, entretanto, do DCIAP para ocupar o cargo de procurador-geral distrital de Lisboa, deixado vago com a jubilação de Maria José Morgado.

Prazo de três meses

E o seu sucessor, Albano Morais Pinto, preferiu não avançar com uma nova data para o fim do inquérito. Determinou apenas que a investigação tem de estar concluída no “prazo de três meses, contados a partir da devolução dos elementos probatórios em poder das autoridades suíças e apreendidos à ordem dos autos”.​ A informação foi divulgada esta segunda-feira pela Procuradoria-Geral da República (PGR), num comunicado.

A nota precisa que Amadeu Guerra decidira, num despacho de 3 de Janeiro deste ano, fixar 8 de Julho como prazo máximo para concluir a investigação, considerando no essencial que os “elementos em falta relativamente à devolução das cartas rogatórias, nomeadamente da Suíça (…), mostravam-se imprescindíveis à apreciação objectiva e subjectiva da factualidade a que respeitavam”. Notava igualmente que tinham sido efectuados novos pedidos de cooperação internacional, havia “um acervo muito grande de traduções a realizar que estavam em curso" e “um número significativo de audições a realizar — algumas no estrangeiro (…) — bem como o interrogatório dos visados pelos factos em investigação”.

Por despacho datado desta segunda-feira, Albano Morais Pinto considera que o estado actual da investigação, que lembra ter como finalidade a descoberta da verdade, ainda não permitiu “a recolha de todos os elementos de prova indispensáveis a permitir concluir pela ocorrência ou não dos factos objecto” do inquérito. “Não obstante as diligências adequadas para esse efeito já se encontrarem há muito em execução, os seus resultados, ainda que na maioria já obtidos, o não estão na totalidade, atendendo designadamente ao facto de tal depender de cooperação judiciária internacional não integralmente satisfeita, pese embora as persistentes iniciativas desenvolvidas pelos magistrados titulares do inquérito”, lê-se no comunicado. 

Recorde-se que em final de Março, no dia em que a revista Sábado publicou um artigo intitulado “O desastre da investigação ao caso BES”, a PGR fez um comunicado em jeito de balanço que adiantava que a investigação possuía, naquele momento, 41 arguidos, estando apreendidos à guarda do processo cerca de 120 milhões de euros em numerário e aplicações financeiras. Nessa altura, a PGR explicava que o processo aguardava há quase três anos por informações das autoridades suíças, uma situação que não sofreu qualquer alteração nestes quase quatro meses. 

O inquérito aberto há mais de cinco anos deu origem, em Maio de 2015, a uma equipa de investigação conjunta, acordada em sede de Eurojust, que envolveu as autoridades judiciais portuguesas e suíças. Foi nesse âmbito que foi trocada informação e foram realizadas diligências a pedido do Ministério Público português, que incluíram buscas e audições de pessoas.

Cartas rogatórias

“Desde Maio de 2016, as autoridades portuguesas aguardam o cumprimento de cartas rogatórias enviadas à Suíça no contexto das investigações conjuntas, incluindo o produto de buscas e audições requeridas, que se têm por determinantes para a prolação do despacho que porá termo ao processo”, lia-se no comunicado, datado de 28 de Março.

Contactado pelo PÚBLICO na sequência deste comunicado, o Ministério Público suíço referiu em Abril que, na sequência de várias comunicações ao Gabinete de Combate ao Branqueamento de Capitais e de diversas queixas-crime, o gabinete do procurador-geral suíço “tem vindo a conduzir diversos processos-crime no âmbito do colapso do grupo Espírito Santo”. Numa resposta enviada por email, as autoridades suíças precisam que um deles, pendente desde Agosto de 2014 — a altura em que o Banco Espírito Santo foi alvo de resolução —, visa o antigo líder do banco. Sem referir o nome de Ricardo Salgado, o Ministério Público suíço diz que o banqueiro é suspeito de branqueamento de capitais agravado e que o caso foi alargado a outras pessoas.

As autoridades suíças confirmam que participaram numa equipa de investigação conjunta desde 2015, “dada a escala, complexidade e a dimensão dos prejuízos” deste caso, para evitar eventuais sobreposições das investigações criminais. E referem que a colaboração foi “excelente”. “Após a conclusão da equipa de investigação conjunta, Portugal enviou um numeroso e volumoso pedido de cooperação à Suíça. Este foi e continua a ser executado pela procuradoria-geral de acordo com as prioridades estabelecidas no plano de cooperação com os parceiros portugueses e em respeito pela lei suíça”, concluem.

A investigação é dirigida por sete magistrados, no âmbito de uma equipa especial constituída por três elementos do Banco de Portugal, um elemento da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, oito elementos da Polícia Judiciária, seis da PSP, três da Autoridade Tributária, dois do Núcleo de Assessoria Técnica da PGR e um da Inspecção-Geral de Finanças.

No balanço de final de Março, a PGR revela que a investigação ao Universo Espírito Santo compreende um processo principal, ao qual estão juntos 252 outros inquéritos. “Realizaram-se 199 audições, 22 das quais nos Estados Unidos, Suíça e Espanha. Realizaram-se 111 buscas, em Portugal, Espanha, Macau e Suíça”, precisa o comunicado.

Tal implicou que fosse pedida a cooperação judiciária com as autoridades do Brasil, Espanha, Estados Unidos, Macau, Panamá, Dubai, Holanda, Bélgica, Alemanha e Luxemburgo, para obtenção de dados bancários, audições e arresto de bens, entre outras diligências. Isto obviamente além da equipa conjunta com as autoridades suíças.

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