Nuno Baltazar abandona Portugal Fashion: “Não valido mais este vazio absoluto de estratégia”

O criador português bateu com a porta. Num longo texto publicado no Facebook explica as suas frustrações com a actual direcção.

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A apresentação do criador, no sábado, foi a última no Portugal Fashion Ugo Camera

Nuno Baltazar apresentou no sábado a sua 30.ª (e última) colecção no Portugal Fashion. Num longo texto assinado na segunda-feira pelo próprio no Facebook, o criador anunciou — como já tinha dito à revista Elle — que decidiu abandonar o Portugal Fashion, mostrando o descontentamento com a actual direcção da organização.

“Não quero, não aceito e não valido mais este vazio absoluto de estratégia, falta de paixão e respeito pela moda e por quem nela trabalha”, atira o criador, mostrando-se insatisfeito com os esclarecimentos que tem tentado receber da organização ao longo dos últimos meses, em particular relativamente às estratégias e critérios das acções internacionais.

O criador diz que lhe “parecia existir uma enorme falta de transparência nestes processos e diferentes critérios consoante os criadores”. E afirma que as respostas que obteve “foram sempre evasivas e informais, feitas telefonicamente para que não existisse um compromisso escrito”.

Lamenta ainda que “o verdadeiro objectivo [das acções do Portugal Fashion] não é o de elevar e projectar os designers portugueses”, mas sim “cumprir com candidaturas que garantam a manutenção de atribuição de verbas para a suposta promoção da moda portuguesa”. Recorde-se que parte do financiamento deste evento é feito através de fundos comunitários. No quadro de 2015/2017, por exemplo, o orçamento foi entre 11 e 12 milhões de euros, referiu Adelino da Costa Matos, presidente da Associação Nacional de Jovens Empresários (ANJE) — entidade responsável pelo Portugal Fashion — ao PÚBLICO, numa entrevista em 2017.

Ao PÚBLICO, Nuno Baltazar explica que a gota final se deu nos últimos meses, quando começou a pedir esclarecimentos em relação aos critérios da organização, já que estaria a ser programada a primeira acção internacional do criador, durante esta estação. Conta que numa reunião, em Outubro do ano passado, expressou a sua intenção de integrar o calendário de desfiles em Paris com o apoio do Portugal Fashion e que, em vez disso, lhe foi proposta mais tarde uma acção em Milão, que incluiria presença num showroom, para a qual insistiu que não estaria preparado, até a nível de tempo.

Critica, então, a existência de uma “dualidade” que leva a que alguns dos criadores façam desfiles e outros tenham sejam de certa forma obrigados a ter também uma acção comercial. E explica que a estratégia que queria seguir era de imagem, não associada ao comercial, pois “não achava que fosse a melhor forma de encarar o mercado”, pelo menos numa primeira abordagem. “Eu sei que isto é uma posição questionável, mas na verdade nesse momento ninguém [na organização] me disse o contrário”, ressalva. Sublinha, mais uma vez, que a questão se prende pela falta de transparência e de “rigor” em relação à forma como as coisas são feitas.

Mónica Neto, Project Leader do Portugal Fashion, defende que a moda portuguesa “atravessa um bom momento, quer a nível nacional, quer internacionalmente” e aponta para o caso da criadora Alexandra Moura, que depois de alguns anos a apresentar durante a semana de moda de Londres, foi convidada para integrar o calendário oficial da semana de moda de Milão — uma conquista notável para um criador português. “O Portugal Fashion é um projecto evolutivo e dinâmico, com mais de 20 anos, que acaba de promover uma edição nacional com cerca de 50 participantes. Lutamos diariamente para estar ao nível das expectativas de cada um, mas nem sempre é possível, especialmente num enquadramento de projecto colectivo”, afirma ainda, numa resposta enviada por email ao PÚBLICO, no seguimento doanúncio de saída do criador.

“Perante as notícias do Nuno Baltazar, resta-nos desejar os maiores votos de sucesso a um designer de elevada qualidade, de quem gostamos muito, que ainda no passado sábado apresentou uma excelente coleção na 44.ª edição do Portugal Fashion”, acrescenta.

Os portugueses lá fora

Olhando para a evolução do circuito internacional do Portugal Fashion — que começou no final da década de 1990 a levar criadores a expor em diferentes cidades —, as inconstâncias na presença de diferentes criadores nas várias semanas da moda poderão suscitar questões em relação aos critérios de selecção dos mesmos. Katty Xiomara, por exemplo, apresentou durante algum tempo em Nova Iorque, passou depois algumas estações sem fazer parte do calendário internacional de desfiles da organização e, nesta temporada, foi levada a Milão. Já Carlos Gil, que há algumas estações apresentava em Milão, este ano ficou por Portugal — e teve o seu desfile na ModaLisboa, que no ano passado assinou um protocolo de cooperação com o Portugal Fashion.

Há alguns meses, nas vésperas do arranque das apresentações de moda em Portugal, Eduarda Abbondanza, presidente da ModaLisboa apontou também para a questão da estratégia da internacionalização: “Tem de se definir quais são as regras. Para já, tem de ser mais claro e público para toda a área dos criadores quem vai desenvolver as suas marcas internacionalmente. Isto tem de corresponder a um plano estratégico de cada uma das marcas. E tem de corresponder também a um plano de crescimento.” Nessa altura, Adelino Costa Matos, presidente da ANJE, afirmou que o investimento no estrangeiro passaria a ser feito “de uma forma transversal”. Ou seja, “se acharmos que para ir a um determinado local é um estilista da ModaLisboa que faz mais sentido, é o da ModaLisboa que irá”.

Na entrevista que deu ao PÚBLICO, em Outubro de 2017, afirmou também que os critérios de selecção dos criadores para o circuito internacional do Portugal Fashion passam primeiro por “ter alguma capacidade de consistência”.

Nuno Baltazar não é, aliás, o primeiro criador a questionar a estratégia de internacionalização do Portugal Fashion. Em 2016, Nuno Gama dizia em entrevista ao PÚBLICO que “o património do design e da criação portuguesa” já estavam consolidados e que era preciso fazer disto “um negócio para o país”. “Já lá devíamos ter chegado. Ao fim destes anos todos e tanto milhão que vi ser gasto, não oiço reconhecimento internacional da moda portuguesa. Deveríamos perceber tudo o que tem sido gasto e que resultados tem”, defendia nessa mesma entrevista.

Nuno Baltazar — que teve o seu início na ModaLisboa, antes de passar a apresentar no Portugal Fashion — conta que chegou a tentar fundar uma associação de designers, mas que não conseguiu obter apoio suficiente. “É exactamente dessa falta de união dos criadores que nasce a maior fraqueza dos designers portugueses”, critica.

Contudo, sai desiludido. “Bato com a porta e digo um enorme não a esta direcção do Portugal Fashion. Digo abertamente que o que ali se faz não dignifica, não eleva e não potencia o trabalho árduo dos criadores portugueses. Potencia apenas o nome da plataforma e a vaidade e deslumbramento de quem a dirige”, escreve.

Avança ainda que continuará a apresentar, de alguma forma, o seu trabalho, sem saber por enquanto em que formato. Citado pela Lusa afirma, porém, que “nem lhe passa pela cabeça" regressar à ModaLisboa. “Seja qual for a forma, serei feliz”, escreve no final.

Notícia actualizada às 19h18, com as declarações de Mónica Neto, Project Leader do Portugal Fashion. Actualizada novamente dia 19, às 19h20, com declarações de Nuno Baltazar.​

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