Dois em cada cinco doentes oncológicos não fez radioterapia necessária

Dados são de 2012. "Hoje estaremos um pouco melhor, mas ainda muito abaixo" do ideal, diz Sociedade Portuguesa de Radioterapia Oncologia. Cerca de metade dos doentes tem indicação para fazer pelo menos um tratamento de radioterapia. E esta necessidade deve crescer 16% até 2025.

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Rui Gaudencio

Em 2012, entre 41% e 43% dos novos casos de cancro em Portugal não fizeram os tratamentos de radioterapia de que necessitavam, concluiu um estudo europeu. Portugal aparece na quarta pior posição entre 24 países quando se compara o uso ideal e real deste tratamento. E passados seis anos ainda faz sentido falar nesta proporção – dois em cada cinco doentes –, diz a presidente da Sociedade Portuguesa de Radioterapia Oncologia. “Estaremos um pouco melhor, mas ainda muito abaixo do que seria desejável”, diz Lurdes Trigo.

Estes dados, calculados pela Sociedade Europeia de Radioterapia e Oncologia (Estro, na sigla inglesa) no âmbito do projecto HERO – Economia de Saúde em Oncologia Radiológica, demonstram a diferença entre o ideal e o real uso de radioterapia em doentes oncológicos nos 24 países do continente europeu que dispõem de dados sobre este tratamento. Foram divulgados esta quarta-feira a propósito do lançamento de uma campanha de sensibilização para a importância do tratamento oncológico por radiação, que assinala o legado de Marie Curie, 150 anos após o seu nascimento.

Já era um dado adquirido em medicina que cerca de metade dos doentes com cancro tem indicação para fazer, pelo menos, um tratamento de radioterapia ao longo da doença. Este estudo veio estimar essa percentagem exacta para 40 países do continente europeu, vendo que esta oscila entre os 47 e os 54%. Ou seja, dos 3,41 milhões de doentes diagnosticados com cancro em 2012 na Europa, 1,74 milhões deviam ter recebido pelo menos um ciclo de radioterapia. Só é possível saber se tal aconteceu em 24 países. E a diferença entre a necessidade e a concretização do tratamento é observada em todos. Montenegro é o único que usa radioterapia em excesso.

Onze países ficaram aquém dos 70% dos utentes tratados como indica a literatura médica. Portugal é um deles. Dos 24.438 a 25.151 doentes com indicação para este tratamento, só 14.366 fizeram tratamentos como recomendado, estima o estudo. 

Só em três países – Áustria, Holanda e República Checa – mais de 80% dos doentes oncológicos fizeram a radioterapia recomendada.

Para chegar a esta “proporção óptima de utilização de radioterapia” os autores do estudo usaram um modelo que tem em conta as evidências demonstradas pela literatura médica quanto ao uso deste tratamento em diferentes tipos de cancro. Aplicaram esse modelo às estimativas sobre os novos casos para cada país, baseadas nos dados de 2012 do Observatório Europeu do Cancro e nos registos de diagnóstico de 12 tipos de cancro: bexiga, mama, colo do útero, rim, intestino grosso, cavidade oral, pulmão, melanoma da pele, linfoma não-Hodgkin, pâncreas, próstata e estômago.

Ao concluir que o uso real de radioterapia “é significativamente menor” do que seria ideal, alertam que esta "discrepância representa um grande desafio para os decisores políticos na hora de planear os recursos alocados" na Saúde. Até porque, concluiu outro estudo da Estro, a necessidade da radioterapia deve crescer 16% até 2025, tendo em conta as projecções de aumento dos novos diagnósticos de cancro.

O que explica esta discrepância?

Em Portugal nunca se estudou o porquê da lacuna na terapêutica, diz Lurdes Trigo. Mas os autores do estudo, em que também se inclui esta oncologista do IPO do Porto, apontam alguns factores que podem explicar o uso reduzido na Europa. Em primeiro lugar, associam-no às limitações de acesso devido à distância aos locais de tratamento. Isto tem especial impacto na radioterapia paliativa. Depois perceberam que a sua utilização é, geralmente, menor nos doentes mais velhos (normalmente com outras doenças associadas) e pacientes com níveis socioeconómicos mais baixos.

É também relevante a opção dos médicos por alternativas terapêuticas. Muitos, diz o estudo, tendem a optar por tratamentos que eles próprios sabem fazer, podendo excluir a radiação, ainda que haja evidência de que, para os doentes elegíveis, a radioterapia tem melhores resultados – em termos de sobrevivência, qualidade de vida, menor toxicidade e melhor controlo dos efeitos secundários – quando comparada com tratamentos alternativos ou nenhum tratamento. “Falta de consciência ou conhecimento e crença pessoal podem ser outras razões para o menor uso de um tratamento do que o esperado”, lê-se no estudo.

Pesa ainda a escassez de recursos e as consequentes listas de espera, atrasos no início do tratamento e diminuição da sua eficácia.

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