Quercus: 33 anos e uma grande cisão depois

Há três anos, a Quercus viu um grupo de antigos dirigentes fundar outra associação, a Zero. Desde então, "não tem sido um relacionamento fácil" entre ambas.

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Nelson Garrido

Com o nome científico que designa os carvalhos, azinheiras e sobreiros, a Quercus foi criada em Outubro de 1985, em Braga, por membros de outras associações, concretizando uma frente que se queria interventiva na conservação da natureza. Foi durante vários anos a face mais visível do activismo ambientalista em Portugal. Até que um punhado de antigos dirigentes saiu para fundar a Zero e as duas associações passaram a dividir o espaço mediático.

Em 1985, o chamado "Grupo Quercus" já tinha representação em Aveiro, Viseu, Barcelos e Vila Real. Consolidou-se quando o Grupo para o Estudo e Protecção da Flora e Fauna do Alto Alentejo, de Portalegre, e o Centro Ecológico de Lisboa formaram núcleos nestas duas cidades. Mas a sua inspiração vem de trás, explica Eugénio Sequeira, engenheiro agrónomo e histórico dirigente da Liga para a Protecção da Natureza. “No pós-25 de Abril, os tempos políticos já não se coadunavam com aquilo que era a acção diplomática e académica da Liga. Os jovens queriam uma acção mais directa, ir gritar para a rua.” Foi da "libertação dos professores da Liga" que nasceu a Quercus, segundo Sequeira.

Iniciando-se com um papel mais activo nas áreas da conservação da natureza e florestas (de onde se destaca a campanha de oposição à eucaliptização desordenada no final da década de 80 e os projectos regionais de protecção da biodiversidade), ao longo dos anos a Quercus foi diversificando a sua acção: educação e sensibilização ambiental, resíduos, agricultura sustentável, energia e alterações climáticas. Na sua matriz está a descentralização, graças à existência de 18 núcleos regionais, muitos deles constituídos a partir de antigas associações e movimento locais.

Nuno Sequeira, que há nove anos está na direcção nacional da associação, acredita que a Quercus foi “acompanhando as exigências e expectativas da sociedade portuguesa”. Notabilizou-se pela presença e intervenção mediática. Tem há vários anos um espaço, o “Minuto Verde”, no jornal da manhã da RTP, e o “Ambiente em FM” em rádios regionais. Recebeu, em 1992, uma condecoração do Presidente da República e o Prémio Global 500 das Nações Unidas, atribuído até 2003 a quem se destacava na preservação do meio ambiente.

"Não tem sido um relacionamento fácil"

Há três anos, a Quercus viveu uma segunda cisão significativa, depois de em 1990 o afastamento de alguns fundadores do norte do país ter dado origem ao FAPAS – Fundo para a Protecção dos Animais Selvagens.

Num contexto de desgaste interno, que vinha fazendo o seu caminho havia alguns anos, antigos dirigentes da Quercus saíram da militância activa em 2015, na sequência da eleição que colocou João Branco à frente da associação. Entre outros, Francisco Ferreira, Susana Fonseca, José Paulo Martins, Hélder Spínola e Viriato Soromenho-Marques diziam já não se rever na conduta da Quercus e fundaram, em Dezembro desse ano, a Zero.

Francisco Ferreira, até então um dos rostos mais conhecidos da Quercus, lidera a nova associação, actualmente com 1400 sócios. E o "diálogo frutífero" que esperava entre as duas ficou longe de se concretizar. “Não houve uma aceitação por parte da Quercus, quer à escala nacional, quer internacional. Tem votado contra a admissão da Zero em plataformas europeias”, diz Ferreira. “Não tem sido um relacionamento fácil, mas esperamos que seja reconciliável, pelo menos ao nível institucional”, acrescenta.

Nuno Sequeira admite que a comunicação é praticamente nula. E não reconhece a Zero como relevante no contexto nacional. “Temos um relacionamento muito bom com as maiores associações de ambiente onde essa seguramente não se inclui, nem pelo número de sócios, nem pelo trabalho que faz."

O dirigente da Quercus acredita que, após um período de adaptação e preenchimento dos lugares deixados vagos nos grupos de trabalho, a Quercus voltou a endireitar-se. Hoje tem “perto de quatro mil sócios activos”. E, entre os vários projectos actualmente em curso, destaca trabalhos na área da construção sustentável e prevenção de impactos urbanísticos, adaptação de explorações agrícolas e pecuárias às alterações climáticas e a recuperação de animais selvagens nos três centros que a associação gere.

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