Comissão dá primeiro passo para embate com Itália sobre Orçamento

O primeiro-ministro italiano disse que a Comissão Europeia recebeu um documento “belo” e que tem “consciência” que não era o esperado. António Costa, por seu lado, comentou: “Recebermos cartas já é um clássico.”

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O primeiro-ministro italiano, Giuseppe Conte, na cimeira europeia esta quinta-feira Piroschka van de Wouw/Reuters

Nem mesmo a Itália, ao contrário do que previa, foi capaz de descompor a imagem da harmonia que aparentemente vigora na União Europeia. No sempre polémico tema das imigrações, na discussão das questões orçamentais dos países da zona euro e na ainda muito difícil conclusão do acordo de saída do Reino Unido da União Europeia, os 28 chefes de Estado e de governo aproveitaram o Conselho Europeu de Outubro para fazer uma demonstração de unidade e moderação e apagar a imagem de turbulência e indecisão que marcou o seu encontro anterior, em Salzburgo. 

Em Bruxelas, não houve assim nada de novo: as polémicas foram adormecidas ou esvaziadas, os pontos mais exigentes da agenda foram diplomaticamente evitados. Uma cimeira que deveria ser “decisiva” para fechar o processo do “Brexit” terminou sem resultados. As negociações e decisões difíceis foram adiadas até ao próximo encontro, em Dezembro — como se percebeu, ganhar um pouco mais de tempo e, ao mesmo tempo, aplicar um pouco mais de pressão foram o verdadeiro propósito do encontro. Nesse aspecto, o objectivo foi cumprido.

Na berlinda por causa da postura provocatória do seu Governo perante as autoridades europeias e os seus homólogos, o primeiro-ministro italiano, Giuseppe Conte, afinal foi mais um espectador do que um protagonista. Os receios e as críticas de vários dos seus parceiros à proposta de Orçamento do Estado italiano foram guardadas para outros fóruns. “Todos estão interessados na questão do Orçamento italiano, mas esse tópico não faz parte da agenda, e deveria ser mesmo assim, porque o papel da cimeira do euro, nesta fase, não é debruçar-se sobre os planos orçamentais dos países”, referiu o presidente do Eurogrupo, Mário Centeno.

Preparado para lidar com as críticas dos restantes parceiros, Giuseppe Conte mostrou logo à entrada para a reunião disponibilidade e abertura para prestar esclarecimentos, mas não para fazer alterações a um documento que classificou como “belo”. “Tenho consciência que este não é o Orçamento que a Comissão esperava”, afirmou o primeiro-ministro italiano, que prometeu responder a todas as dúvidas que viessem a ser manifestadas pelo executivo europeu.

Esta quinta-feira, o Governo de Roma recebeu uma carta de alerta, entregue em mão pelo comissário europeu dos Assuntos Económicos e Financeiros, Pierre Moscovici, a recomendar o ajustamento das contas que conduzem a um “desvio significativo e sem precedentes [de cerca de 1,5% do PIB] na história do Pacto de Estabilidade e Crescimento”.

É já a segunda carta que Bruxelas remete a exprimir as suas preocupações com o impacto das medidas expansionistas da Itália. Sem uma correcção, o próximo passo poderá ser mais drástico: a Comissão poderá, pela primeira vez, chumbar o Orçamento de um Estado-membro.

Carta segue para Lisboa?

Portugal poderá também não escapar a receber uma carta da Comissão Europeia a pedir esclarecimentos sobre a proposta de Orçamento do Estado divulgada pelo Governo na segunda-feira.

No final da cimeira, o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, admitiu que os seus serviços deverão enviar cartas a vários países — uma fonte europeia estimou que fossem Portugal, Espanha, França e Bélgica, além de Itália, que já recebeu a missiva. Mas a diferença, acrescentou, é que nenhuma dessas comunicações expressa o mesmo nível de preocupação com o risco de incumprimento das metas do Pacto de Estabilidade e Crescimento, nem deixa antever um chumbo do documento. 

Questionado sobre o assunto em Bruxelas, o primeiro-ministro, António Costa, disse desconhecer quaisquer reservas da Comissão às contas portuguesas. E desdramatizou a questão, notando: “Recebermos cartas já é um clássico.” E se Bruxelas voltar a escrever a Lisboa não ficará surpreendido. “Terei, aliás, o prazer de, mais uma vez, demonstrar no final do ano que nós estamos certos”, comentou, lembrando que os orçamentos de 2016, 2017 e 2018 levantaram questões à Comissão e o Governo “provou sempre, pelos resultados, que as previsões estavam certas e que, ao contrário dos receios de que haveria desvios, houve sempre o cumprimento das regras”.

Portugal, desde que a troika saiu do país em 2014 e os seus orçamentos passaram a estar sujeitos a este mecanismo de avaliação pela Comissão, recebeu para todos os orçamentos uma carta inicial de pedido de esclarecimentos, na qual era assinalada pela Comissão a existência de riscos significativos de incumprimento das regras europeias.

O problema estava sempre na evolução do défice estrutural (o indicador que é usado para medir o esforço de consolidação orçamental feito pelo país). Nas missivas enviadas a Lisboa, a Comissão ou assinalou que as metas de redução do défice estrutural não cumpriam as regras, ou mostrou dúvidas sobre a credibilidade dos números apresentados.

Na proposta de OE para 2019, o Governo projecta uma redução do défice estrutural de 0,3 pontos percentuais do PIB, um valor que fica aquém da redução de 0,6 pontos que as autoridades europeias estão a pedir a Portugal. Se se confirmar o envio de uma carta a Portugal, este será certamente um dos temas que a Comissão destacará.

A seguir ao envio da carta, e depois de o Governo ter tido a oportunidade de dar as suas explicações a Bruxelas, a Comissão decide se “chumba” o Orçamento, obrigando o país a enviar uma nova versão. Nem no caso português, nem no caso de qualquer outro país, esse cenário extremo alguma vez se concretizou.

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