A primeira sentença pós-#MeToo coloca Bill Cosby entre 3 a 10 anos na prisão

Actor e humorista transferido oficialmente do lugar de figura paternal da América para o de predador sexual violento.

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Bill Cosby, na segunda-feira, à entrada para o tribunal JESSICA KOURKOUNIS/Reuters
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Andrea Constand, a acusadora de Cosby Reuters
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Janice Dickinson, ex-supermodelo e uma das sete acusadoras de Cosby presentes na segunda-feira no tribunal Reuters
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Uma das acusadoras de Cosby, Lili Bernard, entretém-se com o telemóvel enquanto aguarda pela leitura da sentença Reuters
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Cosby à entrada do tribunal na manhã desta terça-feira BRENDAN MCDERMID/Reuters

Bill Cosby, actor e comediante, trocou o título de “pai da América” pelo de “predador sexual violento”. O primeiro foi ganho nos anos 1980 como ícone televisivo do Cosby Show, o segundo foi resultado do período entre 2004, quando violou Andrea Constand, e 2018, quando se tornou na primeira condenação pós-#MeToo. Aos 81 anos, um tribunal da Pensilvânia sentenciou Bill Cosby a uma pena de "não menos de 3 e não mais de 10 anos" de prisão efectiva depois de um primeiro julgamento anulado neste caso de agressão sexual agravada e de vários acordos extra-judiciais com outras das 60 mulheres que o acusam de actos semelhantes.

A pena podia ir até 30 anos de prisão, e os procuradores do condado de Montgomery, onde o caso foi julgado, pediram segunda-feira uma sentença de cinco a 10 anos de prisão depois de o juiz ter agregado todos os crimes de que é acusado num só e feito com que a pena máxima, que poderia ascender a 30 anos, seja precisamente de 10 anos de prisão. Frisaram ainda que Cosby não mostrou “qualquer remorso” pelos seus actos.

A CNN detalhava segunda-feira que a defesa de Cosby, na figura do advogado Joseph P. Green, pedira prisão domiciliária devido à idade de Cosby. “Homens cegos de 81 anos que não são autónomos não são um perigo, salvo talvez para si mesmos.” Cosby nega os crimes de que é acusado.

Andrea Constand e a sua família falaram também na segunda-feira em tribunal sobre o impacto dos crimes nas suas vidas. A ex-basquetebolista, de 45 anos, disse solenemente: "Ouviram-me, o júri ouviu-me e o sr. Cosby ouviu-me. Tudo o que peço é justiça conforme aprouver ao tribunal".

O juiz Steven T. O'Neill decidiu classificar Bill Cosby como “predador sexual violento”, o que o obriga a apresentar-se às autoridades para ser registado como tal e ser sujeito a aconselhamento. Na segunda-feira, a psicóloga Kristen F. Dudley, do Sexual Offenders Assessment Board da Pensilvânia, defendeu em tribunal que Cosby tem um distúrbio de personalidade associado ao sexo sem consentimento e que merecia essa categorização. Esta terça-feira, Timothy Foley, um psicólogo convocado pela defesa, argumentou que Cosby não devia ser considerado predador sexual, tendo-o avaliado como "de muito baixo risco", cita o New York Times. Mas admitiu ignorar que o actor reconheceu ter usado sedativos para fins sexuais e não ter lido os depoimentos das queixosas.

Depois de anos de conversas de bastidores, de alguns relatos jornalísticos e de incredulidade da opinião pública ou simples descrédito das suas alegadas vítimas, Bill Cosby foi a tribunal responder pelos crimes de agressão sexual agravada cometidos contra Andrea Constand. Conheciam-se da Universidade de Temple, onde Constand era directora da equipa de basquetebol feminino, e ele era como um “mentor” para ela. Um dia, em 2004, ela visitou-o em sua casa. O seu relato indica que Cosby lhe deu três comprimidos que diziam ser “naturais” para combater a ansiedade de Constand. Ela ficou incapacitada de resistir a actos sexuais como apalpões e penetração com os dedos.

Em 2014, o seu caso era um de 15 noticiado pela revista New York, antecedidos por outros com o mesmo padrão de sedação e abuso sexual relatados à Newsweek. Nos meses seguintes juntar-se-iam dezenas de outros relatos de mulheres queixosas quanto a Cosby, o Cliff Huxtable da América que Portugal também consumiu nos anos 1980, figura com peso moral pela sua personagem mas também pela figura pública conservadora de Cosby. 

O júri que em 2017 se reuniu durante 50 horas ao longo de seis dias nada conseguiu deliberar e o julgamento foi anulado. Isto depois de outras acusadoras não terem podido testemunhar e de várias investigações jornalísticas terem mostrado como Cosby tinha admitido no passado, conforme consta de documentos legais entretanto vindos a público, ter usado sedativos para conseguir sexo com mulheres e ter pago pelo silêncio das suas acusadoras.

Retomado o caso em Abril de 2018, já depois de Bill Cosby se ter tornado numa das fontes de indignação que abriu caminho para as investigações que denunciaram Harvey Weinstein e a avalanche que viria a ser o movimento #MeToo, em apenas 14 horas em dois dias o veredicto foi claro para o júri: culpado de três crimes de agressão sexual agravada, incluindo penetração sem consentimento, penetração sem consentimento enquanto inconsciente e o uso de fármacos para evitar resistência. Foi autorizado que cinco mulheres que acusam Cosby de actos de violência sexual e sedação testemunhassem neste caso.

O novo julgamento de Cosby foi o primeiro do momento #MeToo e a sua condenação foi também pioneira. As primeiras acusações, de seis crimes sexuais, contra Harvey Weinstein, o principal rosto da luta contra o assédio sexual, foram formuladas no início do Verão e as audiências em tribunal deveriam começar em Setembro. Tal como Weinstein, até agora Cosby manteve-se em liberdade condicional graças ao pagamento de uma fiança de 1 milhão de dólares. Ambos foram expulsos da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood e viram os seus projectos profissionais suspensos.

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