Venda da Confiança avança com oposição das forças políticas e associativas

Executivo vai propor a alienação do edifício da antiga fábrica na reunião de Câmara de quarta-feira. A decisão é contestada pelas restantes forças políticas, pela Junta da freguesia onde se situa o imóvel e por algumas das associações da cidade. Está em curso uma petição contra a venda da Confiança a privados.

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Nelson Garrido

Quase seis anos depois de ter aprovado a compra do edifício que acolheu, entre 1920 e 2002, a Confiança, fábrica de sabonetes e de outros produtos cosméticos, a Câmara Municipal de Braga está prestes a reverter a decisão. Em Novembro de 2011, a autarquia, então presidida pelo socialista Mesquita Machado, aprovou a compra do imóvel à então proprietária, a empresa Urbinews, e concretizou-a por 3,5 milhões de euros, no final de 2012. Nesta quarta-feira, a maioria liderada por Ricardo Rio – sete dos 11 vereadores são da coligação PSD/CDS-PP/PPM - vai propor a venda do edifício hoje degradado por 3,9 milhões.

Esta decisão surge precisamente um ano depois de ter sido lançada a possibilidade do município vender a Confiança. Num comunicado emitido no domingo anterior, o autarca social-democrata dá as mesmas razões de Setembro de 2017 para a alienação: a falta de dinheiro, depois da aplicação dos fundos comunitários nas requalificações do Forum Braga e do mercado municipal, e a garantia da preservação da memória da fábrica, com a criação do núcleo museológico da fábrica e a “manutenção da componente arquitectónica”.

Pelo meio, em Março de 2018, a Câmara Municipal afirmou que recuava na venda da Confiança, caso garantisse fundos da reprogramação do Portugal 2020. Questionado pelo PÚBLICO, Ricardo Rio disse que não houve “nenhum reforço das verbas para a reabilitação urbana em cidades como Braga”, pelo que a Câmara decidiu avançar com a venda. Para o autarca, a importância da Confiança prende-se, sobretudo, com a reabilitação do edifício e da zona envolvente. “A Confiança não está nas nossas prioridades culturais. A antiga escola Francisco Sanches, por exemplo, é mais prioritária, para acolher uma série de exposições”, explicou.

O PS e a CDU, forças da oposição no executivo, vão votar contra a alienação. Miguel Corais, um dos três vereadores socialistas, afirma que a venda desfaz um consenso gerado em torno da Confiança, em que Ricardo Rio foi um dos protagonistas, e pode prejudicar a candidatura a Capital Europeia da Cultura, em 2027. Já Carlos Almeida, único representante comunista na vereação, entende também que a venda trai um “compromisso assumido com as associações e os cidadãos” e vai propor a retirada do ponto da ordem de trabalhos, antes da votação.

A alienação merece também a oposição da Junta de Freguesia de São Victor, onde está implantado o edifício. Depois de Ricardo Rio ter anunciado a intenção de vender o imóvel na quinta-feira, a junta organizou, na noite de sexta-feira, um debate sobre o futuro da Confiança, que reuniu cerca de 80 pessoas no seu auditório. Após a sessão, foi lançada uma petição pública na Internet, intitulada “Pela não alienação da Fábrica Confiança”, que registou, até ao fecho desta edição, 970 assinaturas.

Eleito pela primeira vez em 2013, pelas mesmas forças políticas que lideram a Câmara, Ricardo Silva mostrou-se surpreso por ter recebido, no início de Agosto, um ofício municipal a pedir a colaboração da Junta no processo de alienação da antiga fábrica. “Não estamos de acordo. A Fábrica Confiança, quando foi expropriada, foi-o com fins culturais”, afirmou o responsável pela freguesia mais populosa de Braga, aquando do Censos 2011 - 29.642 habitantes.

O responsável questiona ainda a justificação da autarquia para vender o imóvel, lembrando que o actual quadro comunitário encerra daqui a dois anos, e estranha a falta de dinheiro para a antiga saboaria numa altura em que vai investir, até 2020, 4,5 milhões de euros para transformar o cineteatro São Geraldo, propriedade da Arquidiocese de Braga, num espaço para as artes multimédia. “É uma iniciativa louvável, mas creio que a Câmara tem uma responsabilidade maior sobre os seus edifícios do que sobre os edifícios dos outros”, defendeu.

Associações dispostas a pegar no edifício

O presidente da Junta realçou ainda que há um “consenso da sociedade civil pela não alienação”, com associações culturais como a Encontros da Imagem e a Velha-a-Branca a mostrarem interesse no espaço. Dirigente da Velha desde a sua fundação, em 2004, Luís Tarroso Gomes disse não entender a pressa em vender o edifício, quando há interesse da sociedade civil em ocupá-lo. “É prematuro avançar para uma venda sem ver outras soluções”, frisou. “Se a Câmara não tem dinheiro para fazer obras, porque não passar a bola para a sociedade civil?”.

Em Novembro de 2017, recorda, a Velha-a-Branca apresentou à Câmara um projecto que garantia uma reabilitação sem custos para o município, mas, desde então, continua ainda à “espera de resposta”. Este foi um dos vários projectos apresentados para o edifício. Em Janeiro de 2012, a Câmara lançou um concurso de ideias, que reuniu 77 propostas, entre as quais uma incubadora de empresas tecnológicas e um centro Ciência Viva.

Para Tarroso Gomes, o edifício nem tinha de acolher obrigatoriamente uma nova valência. Poderia ser utilizado pela autarquia para dar mais dignidade a espaços que já existem, como o arquivo municipal, cujo acervo se encontra, em parte, na cave dos paços do concelho, o Museu da Imagem ou o núcleo interpretativo da cidade, instalado na Torre de Menagem, que poderia ser transformado num museu da cidade.  

Com a alienação à porta, o dirigente alerta para o “risco de se perder muita da memória da Confiança”, uma “fábrica avançada para o seu tempo”, que até um teatro interno teve. Fundada em 1894, a Confiança chegou a ter 150 marcas de sabonetes, em 1928, e a produzir mensalmente três milhões de dúzias de sabonetes, em meados do século XX. Adquirida pela Ach. Brito, em 2009, tornou-se numa marca da antiga concorrente.

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