Projecto do Facebook dá bolsas para académicos estudarem dados dos utilizadores

Investigadores de todo o mundo podem-se candidatar a analisar milhões de endereços clicados por utilizadores e tentar decifrar o papel da rede social na democracia.

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Para concorrer é preciso ter um doutoramento em ciências sociais ou equivalente Jon Nazca/Reuters

O Facebook está a partilhar milhões de dados sobre como as pessoas usam a rede social. Vão ser distribuídos pela Social Science One, uma comissão de investigadores independentes criada este ano para tentar compreender a influência do Facebook nas opiniões políticas dos utilizadores.

A missão foi anunciada por Mark Zuckerberg, em Abril, depois de meses de controvérsia crescente sobre o papel da rede social na manipulação de processos eleitorais com notícias falsas, propaganda escondida, e acesso a dados privados dos utilizadores.

A primeira base de dados, apresentada esta semana, inclui quase todos os endereços públicos em que os utilizadores do Facebook clicaram, a data em que lá clicaram, e o tipo de conteúdo (por exemplo, se estavam associados a sites de notícias falsas). No total, a informação equivale a um milhão de gigabytes, mais de 52 mil filmes em formato digital. Os investigadores interessados podem receber até 50 mil dólares (perto de 43 mil euros) pelo trabalho de análise.


“Estes dados têm o potencial de ajudar cientistas sociais a perceber e resolver os grandes desafios da sociedade. Até agora, este tipo de dados não estava disponível para análise”, disse Gary King, professor de ciência política em Harvard e um dos co-fundadores da Social Science One, no lançamento do projecto.

A disseminação de notícias falsas durante as eleições presidenciais dos EUA em 2016, combinada com o escândalo de que a consultora política Cambridge Analytica obteve dados de milhões de utilizadores do Facebook em todo o mundo, aumentaram a pressão para a rede social permitir que académicos independentes estudassem o papel do site.

Uma das questões mais colocadas ao novo comité de investigação, porém, é a possibilidade de os dados serem novamente explorados para fins comerciais ou políticos. "É uma preocupação justificada. Afinal, o escândalo com a Cambridge Analytica começou devido à má conduta de um académico", admite a equipa da Social Science One, numa secção dedicada a perguntas e respostas. Foi Aleksandr Kogan, um russo-americano a trabalhar no Departamento de Neurociências da Universidade de Cambridge, que recolheu e tratou os dados utilizados pela Cambridge Analytica, através de uma aplicação de testes de personalidade da rede social.

"Agora é a altura de resolver este problema e reconquistar a confiança nos utilizadores", frisa a equipa da Social Science One. "Desenvolvemos uma estrutura que protege a privacidade das pessoas que usam o Facebook e isola o processo, impedindo utilizadores individuais de desrespeitar as regras."

Apesar de os dados serem agrupados de acordo com os interesses, idade, género, e localização dos utilizadores, serão todos anonimizados. Na análise de material mais sensível, os investigadores terão de estar em instalações do Facebook e ter o trabalho monitorizado (o objectivo é evitar, por exemplo, o roubo de informação). Para garantir a transparência do processo, o financiamento dos trabalhos de análise não virá da rede social, mas de sete outras organizações nos EUA que incluem o Democracy Fund e a Omidyar Network. O Facebook também não está autorizado a ler as conclusões antes de serem publicadas. Até então, a grande desvantagem de pedir acesso aos dados do Facebook para este tipo de trabalhos era que a rede social tinha de pré-aprovar os resultados. 

No futuro, o objectivo da Social Research One é que outras empresas de Internet disponibilizem os seus dados para análise. “O potencial desta iniciativa é que académicos de todo o mundo vão estar a utilizar as mesmas bases de dados, mas a fazer perguntas diferentes”, lê-se na apresentação da iniciativa pelo comité responsável pela distribuição das bolsas, o Social Science Research Council.

O projecto está aberto a candidaturas de investigadores de todo o mundo. Para concorrer é preciso ter um doutoramento em ciências sociais (ou uma área equivalente), estar afiliado a uma instituição do ensino superior (que aprove a ética da metodologia utilizada), e ter uma proposta com um máximo de cinco páginas.

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