Casa Branca insiste em armar professores e deixa cair aumento da idade mínima

Administração Trump continua a estudar a proibição de certos acessórios para aumentar o poder de fogo das armas sem passar pelo Congresso.

O tiroteio em Parkland fez 17 mortos
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O tiroteio em Parkland fez 17 mortos Reuters/CARLOS GARCIA RAWLINS
O suspeito é Nikolas Cruz, de 19 anos
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O suspeito é Nikolas Cruz, de 19 anos LUSA/MIKE STOCKER / POOL
A Associação Nacional de Armas apoia o treino com armas entre professores
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A Associação Nacional de Armas apoia o treino com armas entre professores Reuters/Stringer
Os alunos da escola da Florida vão manifestar-se este mês em Washington
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Os alunos da escola da Florida vão manifestar-se este mês em Washington Reuters/JOE SKIPPER

Quase um mês depois do tiroteio numa escola secundária da Florida em que foram mortos 14 alunos e três funcionários, a Casa Branca anunciou as primeiras propostas concretas para travar a violência nas escolas norte-americanas: a Administração Trump propõe que os professores recebam "um rigoroso treino com armas", mas deixa de fora o aumento da idade mínima para a compra de algumas armas, num aparente recuo em relação ao que o Presidente norte-americano disse há duas semanas.

Para além do pacote de propostas, divulgado no domingo, a Casa Branca decidiu também criar uma Comissão Federal sobre Segurança nas Escolas, que vai ser liderada pela secretária da Educação, Betsy DeVos – é nesta comissão, e não por iniciativa imediata da Casa Branca, que poderá vir a ser discutido o aumento da idade para a compra de certos tipos de armas, como a espingarda semiautomática AR-15, usada pelo atirador Nikolas Cruz no tiroteio em Parkland, na Florida.

"Estamos decididos a trabalhar depressa porque não temos tempo a perder. Nenhum aluno, nenhuma família, nenhum professor e nenhuma escola deve voltar a viver o horror de Parkland, Sandy Hook ou Columbine", disse a secretária da Educação numa conversa com jornalistas no domingo à noite. Na mesma ocasião, Betsy DeVos definiu as propostas da Casa Branca como "um plano pragmático para aumentar drasticamente a segurança nas escolas".

Desse plano faz parte a proposta de dar treino com armas a professores e outros funcionários que se ofereçam como voluntários para andarem armados nas escolas, avançou Andrew Bremberg, director do Conselho de Políticas Domésticas da Casa Branca, citado pelo jornal Washington Post. O mesmo jornal sublinha que o plano da Casa Branca não prevê qualquer proposta de aumento do financiamento dos estados para a realização desses treinos.

Algumas organizações já proporcionam treino a professores e outros funcionários em alguns estados, mas o que a Casa Branca defende é um plano federal que inclua todas as escolas do país – uma ideia veiculada pelo Presidente Donald Trump nos dias que se seguiram ao tiroteio na Florida e, há mais tempo, pela Associação Nacional de Armas (NRA, na sigla original).

Em Fevereiro, quando começaram a circular as primeiras indicações de que a Casa Branca apoia o uso de armas por professores, a presidente do maior grupo de pressão dos professores norte-americanos disse que "os alunos precisam de mais livros, arte e programas de música, enfermeiras e conselheiros; não precisam de mais armas nas salas de aula".

Entre as propostas da Casa Branca inclui-se também um reforço do sistema de verificação dos antecedentes de quem quer comprar uma arma. Actualmente só os vendedores licenciados são obrigados a pedir ao FBI informações sobre os seus clientes – ficam de fora dessa obrigação os vendedores particulares, seja num negócio entre vizinhos ou numa banca durante uma feira de armamento. A proposta da Casa Branca não detalha se prevê um alargamento dessa obrigação a quem não tem licença para vender armas, ou se tem como objectivo único melhorar o sistema que está em vigor.

Este pacote de propostas não é um conjunto de regulamentos que a Casa Branca pode aprovar, mas sim medidas que a Administração Trump apoia e que pretende ver aprovadas no Congresso, onde o Partido Republicano e o Partido Democrata não conseguem chegar a acordo para uma significativa alteração legislativa sobre armas há pelo menos 25 anos.

Idade mínima sem a mesma urgência

De fora das propostas da Casa Branca fica uma iniciativa que os activistas anti-armas nos Estados Unidos consideram ser mais eficaz para travar os tiroteios: o aumento da idade mínima para a comprar de algumas armas, de 18 anos para 21 anos. Só durante os trabalhos da comissão liderada por Betsy DeVos é que será decidido se este assunto merecerá o apoio da Casa Branca.

A lei federal norte-americana proíbe a compra de pistolas por menores de 21 anos, mas autoriza a compra de armas de cano longo a partir dos 18 anos. A lei foi feita para dificultar a venda das armas mais usadas na maioria dos casos de violência (as pistolas comuns), e para permitir a compra de armas de caça e para a prática de tiro desportivo a partir dos 18 anos – na categoria de armas de cano longo cabem também as espingardas semiautomáticas como a AR15, usada em muitos tiroteios em escolas e outros locais nos Estados Unidos.

No dia 28 de Fevereiro, durante uma reunião na Casa Branca com congressistas do Partido Republicano e do Partido Democrata, com transmissão em directo nas televisões, o Presidente Donald Trump deu a entender que poderia vir a defender o aumento da idade mínima para a compra de armas semiautomáticas: "As pessoas não falam nisto porque têm medo. Não se pode comprar uma pistola aos 18, 19 ou 20 anos. Tem de se esperar até aos 21. Mas pode-se comprar a arma que foi usada neste terrível tiroteio aos 18 anos. Vocês é que vão decidir – são as pessoas que estão nesta sala que vão decidir", disse Trump, responsabilizando o Congresso através dos seus convidados na reunião. Nessa parte do encontro, Trump chegou a acusar o senador da Pensilvânia Pat Tommey (do Partido Republicano) de "ter medo da NRA" por não ter incluído na sua proposta de lei o aumento da idade mínima para a compra daquele tipo de armas.

No dia seguinte a essa reunião na Casa Branca, em que pareceu ter defendido o aumento da idade mínima (uma proposta que tem a oposição total da NRA), Trump e o seu vice-presidente, Mike Pence, reuniram-se com o director executivo da NRA, Chris Cox. No Twitter, Cox resumiu assim esse encontro: "Tive uma excelente reunião esta noite com Donald Trump e Mike Pence. Todos nós queremos escolas seguras, reforma das políticas de saúde mental e manter as armas longe de pessoas perigosas. O Presidente e o vice-presidente apoiam a Segunda Emenda, apoiam o princípio do Estado de Direito e não querem o controlo das armas."

À margem das propostas que a Casa Branca apoiará se vierem a ser discutidas e votadas no Congresso, o Departamento de Justiça deu mais um passo para regulamentar a venda de um acessório que aumenta a capacidade de tiro das armas semiautomáticas.

A venda de armas automáticas (que disparam várias balas de cada vez que se carrega no gatilho) é proibida nos Estados Unidos, mas os fabricantes vendem alguns acessórios que podem fazer com que semiautomáticas como a AR15 (que disparam apenas uma bala de cada vez que se carrega no gatilho) possam disparar a um ritmo muito superior. Estão nesta categoria de acessórios os bump stocks, um apoio que é colocado na arma e que, quando encostado ao ombro, permite um movimento rápido, para trás e para a frente, que simula a velocidade de disparo de uma arma automática.

A venda dos bump stocks não é proibida porque, segundo a lei, a definição de armas automáticas é feita pelo tipo de mecanismo e não pela capacidade de tiro. Por causa disso, o Departamento de Justiça da Administração Obama concluiu que não tinha poderes para proibir a venda, e que só o Congresso poderia fazê-lo ao mudar a lei.

Depois do tiroteio num concerto ao ar livre em Las Vegas, em Outubro do ano passado, que fez 58 mortos, a Administração Trump voltou a pedir ao Departamento de Justiça que proíba a venda de bump stocks, considerando que não é preciso alterar a lei no Congresso. Esse processo está ainda em andamento, e no sábado foi dado mais um passo – o Departamento de Justiça enviou a proposta de proibição para o gabinete da Casa Branca que avaliará a sua viabilidade, e depois de uma resposta ainda será preciso esperar pelo final de um período de discussão pública.

Mas quem defende um reforço do controlo das armas teme que essa iniciativa da Casa Branca esteja destinada ao fracasso. Como o Departamento de Justiça na Administração Obama passou pelo mesmo processo e chegou à conclusão de que só uma mudança na lei, no Congresso, pode proibir a venda de bump stocks, os activistas anti-armas dizem que qualquer alteração regulamentar pela Casa Branca será facilmente revertida nos tribunais.

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