A valorização do interior: o ator-rede, o cuidador dos territórios

Para ser efetiva, a estratégia de valorização do interior precisa de respeitar certas condições gerais.

A valorização do interior está na ordem do dia. Numa aceção mais larga e mais longa, “valorizar o interior” significa colocar algumas questões fundamentais: que modelo de desenvolvimento territorial, que tipologia de bens e serviços, que beneficiários, que escalonamento temporal, que parcerias e modelo de financiamento, que papel para as tecnologias digitais, que modelo de governação do território? Não vou, agora, responder a todas estas questões, mas posso tecer algumas variações em redor das opções de desenvolvimento e das condições gerais que devem ser observadas. Termino com uma nota sobre o papel do ator-rede.

As opções de desenvolvimento

  • Em primeiro lugar, podemos optar por “pequenos investimentos cirúrgicos de reposição” tendo em vista repor equipamentos, infraestruturas, serviços e empresas que foram destruídos pelos acontecimentos;
  • Em segundo lugar, podemos optar por reforçar uma “rede de vilas, cidades pequenas e médias do interior” tendo em vista consolidar a sua malha, aumentar os seus efeitos de aglomeração e, portanto, a sua área de influência;
  •  Em terceiro lugar, podemos optar por um “plano de infraestruturas de rede”, por exemplo, a renovação da ferrovia, o reforço da rede de barragens, o saneamento das bacias hidrográficas, o melhoramento da rede rodoviária, novos centros hospitalares, a renovação do parque escolar;
  • Em quarto lugar, podemos optar pela instalação de uma “rede digital de alta velocidade”, acabando com esta discriminação territorial e assim contribuindo para a “smartificação” dos territórios do interior;
  • Em quinto lugar, podemos optar por “investimentos agroambientais e agroflorestais de ordenamento do território”, tendo em vista reduzir os riscos ambientais e climáticos destes territórios;
  • Em sexto lugar, podemos optar por um “sistema de incentivos fiscais e financeiros às empresas” que se queiram instalar nos territórios do interior e que são variáveis com o número de empregos criados;
  • Em sétimo lugar, podemos optar pela prioridade ao “turismo de vilas e aldeias”, às suas redes e valorização dos seus sinais distintivos territoriais, tendo em vista atrair novos residentes e visitantes;
  • Finalmente, e porque todas estas opções não são exclusivas, podemos sempre optar por um mix de todos estes instrumentos de intervenção territorial. É, de resto, na composição deste mix instrumental que está o segredo da estratégia de desenvolvimento territorial, uma vez que não há utilities sem “smartificação”, que não há consolidação das áreas de influência sem o reforço das redes urbanas, que não há gestão do risco sem planos verdes, que não há investimento empresarial sem o reforço da economia residencial e de visitação.

Por que é que alguns territórios do interior “aparentam ter parcos recursos”? Em parte, por que as suas relações de sociabilidade apresentam baixos índices de intensidade-rede, isto é, revelam uma “sociabilidade fraca”. Os territórios não são pobres, “estão pobres” em determinada circunstância ou conjuntura histórica porque os seus responsáveis primeiros e atores principais não estiveram à altura das suas responsabilidades políticas e públicas Os territórios são construções longas e delicadas que atravessam muitas vicissitudes e contrariedades. O seu capital social é fruto dessa história vivida e dessa sociabilidade histórica muito particular e é dessa experiência histórica concreta que se geram, emergem e estruturam os recursos de um território. Por maioria de razão, na sociedade do conhecimento em que vivemos os novos problemas emergentes devem-se, em boa medida, a um défice de conhecimento. Por isso nós dizemos, os territórios não são pobres, estão pobres.

As condições gerais que devem ser observadas

Para ser efetiva, a estratégia de valorização do interior precisa de respeitar certas condições gerais:

  • Os programas de intervenção territorial não podem ser reduzidos a um elenco de medidas, necessitam de uma intencionalidade estratégica e operacional e de um calendário de execução;
  • Os territórios não podem ser reduzidos a “nomenclaturas territoriais estatísticas” ou comunidades de municípios que não se sentem fazendo parte de uma comunidade de destino ou de um território-desejado;
  • Os atores-principais não podem ser reduzidos a departamentos da administração pública local e regional, os territórios necessitam da mobilização da inteligência emocional e a criatividade dos cidadãos;
  • Os controladores do processo de seleção e decisão não podem ser reduzidos a templates e algoritmos, os territórios necessitam de um ator-rede que in situ seja o “principal cuidador”;
  • A economia local e regional não pode ser reduzida a uma sucessão de eventos, é necessário que esses eventos sejam integrados em “atos orgânicos” de estruturação longa da economia local;
  • A inovação territorial não pode ser reduzida à informática de gestão e administração, é necessária uma nova cultura de ordenamento urbanístico com relevo para as pequenas e médias cidades do interior no que diz respeito ao seu autogoverno, em formatos socioinstitucionais inovadores como são a economia dos contratos, das convenções, dos clubes e dos territórios-rede;
  • A inovação agroecológica não pode ser reduzida a umas medidas difusas de natureza agroambiental, sem verdadeiro impacto, é necessário defender no âmbito da PAC pós-2020 uma nova geração de bens públicos rurais, tais como infraestruturas verdes, corredores ecológicos, equipamentos agroecológicos e ecossistémicos e pagamentos por serviços ambientais prestados;
  • O capital social não pode ser reduzido a uma sociabilidade fraca ou cooperação de baixa intensidade, de resto, não se compreende que sendo a cooperação um recurso abundante e barato não seja usado com mais frequência e intensidade pelos territórios do interior.

Nota Final: a presença do ator-rede, o “cuidador principal”

A estratégia de valorização do interior para ser bem-sucedida precisa da presença permanente de um ator-rede. Este ator-rede tem quatro missões principais: promover a identificação com o território-rede, cuidar da territorialização das medidas aplicáveis, reunir uma massa crítica de atribuições, competências e recursos e promover a formação e rejuvenescimento do capital social do território. Por outro lado, importa evitar a todo o custo que “os silos ministeriais” descarreguem as medidas que têm em stock sobre os territórios, sem cuidar da territorialização dessas medidas e respetivo envelope financeiro. Esta é, justamente, a competência fundamental do ator-rede, a saber, ser um centro de racionalidade, cuidar da retenção dos efeitos de aglomeração, reduzir os efeitos externos negativos e potenciar os efeitos externos positivos. Para tal, os contratos territoriais de desenvolvimento são, igualmente, uma opção em aberto (ver PÚBLICO, 16 Dez, 2015).

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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