Tecnologia: neste laboratório entrega-se o futuro aos mais velhos

Nos laboratórios da Fraunhofer AICOS, no Porto, jovens investigadores desenvolvem soluções tecnológicas para a "comunidade sénior". Uma delas já chegou ao mercado holandês, mas poderá chegar a Portugal "em breve". Objectivo é levar tecnologia de ponta até às mãos de quem não lhe pega facilmente

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Nelson Garrido

"Lembro-me bem da cara destes senhores". Os “senhores” são os investigadores da Fraunhofer Portugal, assim chamados por Elisabete Azevedo, uma visita já conhecida nas salas amplas e pintadas de branco da instituição que a recebe como voluntária há seis anos. Elizabete conheceu alguns projectos quando ainda não passavam de ideias, rascunhos que hoje estarão bastante desactualizados. Como ela, outros idosos dispõem-se a experimentar, muitas vezes em primeira mão, os jogos, as aplicações ou os sensores que saem dos laboratórios da Fraunhofer AICOS, pensados para uma população sénior. São voluntários da rede COLABORAR, que desde 2011 coopera com a instituição. A responsável pela rede, Sílvia Rêgo, de 33 anos, conta que os voluntários chegam de centros de dia e de universidades sénior, a maior parte com "baixos rendimentos e baixa literacia digital". Ao todo, já foram reunidos mais de mil idosos voluntários, que participaram em 66 projectos da Fraunhofer. 

 

Nesta associação, onde a estética futurista se manifesta a cada passo, são os que nasceram num mundo analógico que ajudam a levar a bom porto os projectos e ideias apresentados por jovens investigadores. Este trabalho em conjunto beneficia ambas as partes: os mais velhos têm contacto com aparelhos tecnológicos que desconheciam, os investigadores ficam a par das necessidades dos seniores. Um dos propósitos? Melhorar a literacia digital em Portugal.

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Os voluntários visitam regularmente a Fraunhofer para testar os desenvolvimentos dos projectos Nelson Garrido

 

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A Fraunhofer desenvolve aplicações e dispositivos wearables para seniores Nelson Garrido

A tecnologia liga duas gerações distantes no edifício do Parque de Ciência e Tecnologia da Universidade do Porto (UPTEC) onde se instala a filial portuguesa da Fraunhofer, a primeira filial daquela associação a sair do país de origem, a Alemanha. Há um corredor que atravessa as diferentes salas e a acompanhá-lo segue uma larga parede de vidro. Daqui olha-se para o futuro, tal como se olhou há uns anos quando se recrutaram os primeiros bolseiros das universidades circundantes, numa zona onde passam estudantes apressados, com pastas cheias. As caras que olham seriamente para os ecrãs ou que se juntam à volta da máquina de café são jovens. Aqui fazem-se progressos na investigação aplicada — a Fraunhofer é a maior organização do género na Europa — há quase dez anos. O objectivo é levar tecnologia de ponta até às mãos de quem não lhe pega facilmente. “Os dois grandes pilares da Fraunhofer AICOS são a investigação de tecnologia para idosos e desenvolver as tecnologias de informação e comunicação em zonas mais remotas, principalmente nas populações africanas”, explica Nuno Felício, coordenador de novos negócios, também ele jovem.

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Sílvia Rêgo, da Rede COLABORAR, com Ana Vasconcelos, Vânia Guimarães, Maria Vasconcelos e Joana Silva Nelson Garrido

 

Ao todo são 53 os investigadores e desenvolvedores de projectos que aqui trabalham, quase todos com menos de 30 anos (a média de idades ronda os 28). A área de investigação relacionada com idosos é “das mais antigas na Fraunhofer”, revela Nuno Felício, acrescentando que o desenvolvimento de soluções “acompanha sempre uma lógica de qualidade de vida”. Faz parte de uma equipa que trabalha com os idosos do presente para reescrever o futuro tecnológico — pelo menos no que diz respeito a aplicações e dispositivos wearables (tecnologia vestível).

 

Um Living Lab onde todos aprendem

É no Living Lab da Fraunhofer que se juntam os seniores, prontos a dar opinião acerca dos dispositivos criados. “Os voluntários com quem trabalhamos não vão poder comprar a maior parte dos projectos em desenvolvimento, mas dão-nos o seu feedback”, vai dizendo Ana Vasconcelos, 30 anos. Ana é a gestora do projecto SmartCompanion, aplicação que está a ser comercializada pela GoCiety, na Holanda, sob o nome GoLivePhone. Está disponível para download também em Portugal, na Playstore, mas numa versão que não inclui todas as funcionalidades. Este “companheiro móvel” é um “redesenho da interface de um sistema operativo que simplifica a utilização do smartphone”, conta a investigadora.

 

Para Adriano Ferreira, um dos seniores com mais experiência neste tipo de testes, esta é uma aplicação “muito fácil de mexer”. Quando Ana lhe passa um telemóvel com a app ligada, Adriano repara que “está tudo em inglês” — a investigadora tinha-se esquecido de mudar o idioma de todos os telemóveis —, mas rapidamente associa os ícones de cada funcionalidade a palavras. 

 

A aplicação permite ao utilizador o registo de contactos de emergência, que serão avisados caso algo corra mal — e até se tudo estiver bem — através de uma ferramenta que pergunta “Como se sente hoje?”. A esta questão é possível responder com uma das quatro “carinhas” disponíveis, que servem como “medidor”. Qualquer tarefa pode ser calendarizada e o nível de actividade também pode ser medido. “A aplicação é bastante direccionada para idosos com Alzheimer, tanto que também traz uma espécie de GPS que permite delimitar áreas” para que o utilizador não se perca. 

 

Na opinião de Elisabete, a prevenção do risco de queda é a função “mais importante” do GoLivePhone: “Se usasse esta aplicação e caísse, rapidamente ligava à minha nora, a pessoa mais próxima que tenho cá.” Essa prevenção estende-se a quase todos os projectos desenvolvidos nos laboratórios portugueses da Fraunhofer. Um dos exemplos é o Fallsensing, já testado e utilizado na Escola de Saúde de Coimbra, e que pode ser usado em clínicas, centros de dia ou em casa. Joana Silva, 27 anos, gere o projecto e conta que este wearable permite “medir o equilíbrio dos idosos através de três jogos”. Sem ser “intrusivo para o idoso”, o dispositivo funciona através de uma pulseira “que se coloca na perna ou na coxa”, depois conectado com um ecrã para monitorizar movimentos. Idealmente, o utilizador do Fallsensing seria acompanhado, numa primeira fase, por um fisioterapeuta, que mediria as limitações e, posteriormente, estabeleceria uma série de exercícios que visam a progressão do equilíbrio do idoso.

 

Na mesma linha está o Active@Home, que apresenta uma série de jogos lúdicos e cognitivos, como “danças e Tai Chi”, explica a gestora do projecto, Vânia Guimarães, de 29 anos. Para Vânia, esta é também uma forma de “pôr os mais velhos a fazer exercício sem que se sintam obrigados a tal, porque pode ser divertido”. A fórmula passa ainda por uma pulseira vestível com um sensor que permite medir movimentos através de uma aplicação ligada a um ecrã.

 

De região para região e de geração para geração

Estes projectos têm de ser adaptados ao nível de literacia digital dos idosos de cada país: ”um utilizador holandês, por exemplo, vai dizer que os ícones estão muito grandes”, refere Ana Vasconcelos. A adaptabilidade às características de cada região também abarca a nutrição. Na Fraunhofer portuguesa desenvolveu-se uma aplicação para que os mais velhos tenham um plano de nutrição adequado — tanto à saúde como à carteira. O Cordon Gris é um projecto europeu, mas é por cá que se coordena a evolução da app. O objectivo é estabelecer uma dieta que beneficie o utilizador, mas a fórmula dietética só se descobre através do peso, da altura e da actividade física, bem como do próprio gosto, explica Maria Vasconcelos, de 37 anos, gestora do projecto.

 

É essa a ponte que se estabelece na Fraunhofer: os mais novos trabalham e adaptam os produtos consoante as opiniões dos mais velhos, que “saberão indicar, melhor do que ninguém, as suas necessidades”. Contudo, a grande parte dos trabalhos desenvolvidos não serão para estes seniores utilizarem. “Os nossos voluntários testam produtos e ajudam-nos a melhorá-los para que os idosos do futuro tenham acesso a todas estas ferramentas e funcionalidades”, resume Ana Vasconcelos. Joga-se com o tempo: os que agora pensam e desenvolvem estes projectos podem vir a ser os seus utilizadores no futuro. 

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