Manifesto “Nós, sociais-democratas” quer abrir alas a uma terceira via

José Eduardo Martins é o principal rosto de um movimento que vai andar pelas distritais do PSD no próximo mês e tira conclusões em Dezembro, mas ninguém assume que possa vir a dar origem a uma candidatura à liderança.

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No último dia da campanha autárquica, José Eduardo Martins e Teresa Leal Coelho estiveram com Santana Lopes Mario Lopes Pereira

Chama-se “Manifesto Nós, sociais-democratas” e tem desde quarta-feira uma página própria – socialdemocracia.pt – onde o texto programático já está aberto à discussão. Aponta para o futuro, mas não quer deixar de marcar já o próximo congresso do PSD. Tem rostos, ideias e calendário e vai andar por aí no próximo mês. Só não tem um candidato para apresentar às directas. Pelo menos por enquanto.

Há um nome que salta à vista entre os cinco subscritores deste manifesto: José Eduardo Martins, que surge em segundo lugar, depois do ex-deputado Nuno Freitas. Já foi secretário de Estado, vice-presidente da bancada do PSD, voz crítica da governação de Passos Coelho e também do posicionamento do partido quando chegou à oposição. Acabou a escrever o programa do PSD para Lisboa e foi candidato à Assembleia Municipal da capital, pelo que se tornou um dos derrotados das eleições de 1 de Outubro (apesar de eleito). Ou, vistas as coisas de outra forma, crítico que foi da estratégia da actual liderança para as autárquicas, não recusou ir para o campo de batalha e dar o corpo às balas. Agora, volta a atravessar a trajectória da luta da sucessão de Passos.  

José Eduardo Martins torna-se, assim e por agora, o rosto da terceira via do PSD num momento em que as candidaturas de Rui Rio e Pedro Santana Lopes estão no terreno. Uma via por onde andam os "órfãos" da alternativa que podia ter surgido com Luís Montenegro ou Paulo Rangel, Pedro Duarte ou Miguel Pinto Luz. Mas embora ainda haja a esperança, dentro destas fileiras, de que este movimento possa vir a disputar a liderança do PSD já em Janeiro, José Eduardo Martins dá um passo ao lado.

“A nossa geração falhou um bocadinho a presença nestas eleições”, disse o advogado ao PÚBLICO, considerando que a disputa nas directas “é capaz de ficar por ali”, pelas duas candidaturas anunciadas. Mas nem por isso se abstém de ir a jogo com as ideias de que o manifesto é veículo de teste (para usar a expressão escrita no autocarro da fotografia de capa no Facebook). Aliás, nesta rede social o documento apareceu numa página autónoma e apócrifa na passada sexta-feira à tarde, depois de conhecidos os recuos de Montenegro e Paulo Rangel. E ganha outra dignidade no site lançado esta quarta-feira, depois de Pedro Duarte e Miguel Pinto Luz também se terem posto de fora da corrida.

“Não escondo que andámos a conversar uns com os outros”, reconhece Martins, defendendo que, já que todas estas alternativas geracionais falharam, que não falhe a discussão ideológica. “Sejamos francos: o que interessa num congresso que vai eleger líderes são candidaturas. Este contributo é só um contributo para a diferença na reflexão que nós achamos que é preciso fazer”, afirmou ao PÚBLICO. “Nós vivemos demasiado tempo debaixo de uma cartilha tecnocrática que tirou boa parte da alma do PSD e aquilo que espero dos candidatos a líderes é que venham dizer para onde vão, por que caminho querem ir. Mas isso não me demite a mim de achar para onde é que devemos ir”, acrescentou.

“Era mais útil que houvesse de facto uma candidatura”, reconhece Nuno Freitas, o rosto coimbrão e primeiro subscritor do manifesto, “mas há uma discussão política a fazer e há um tempo de preparação” de alternativas, acrescenta. Para já, afirma, a discussão vai ser feita “pelo país em grupos informais ao longo do próximo mês”. Depois virá o tempo de “retirar conclusões” e decidir “de que forma podemos ter uma participação mais efectiva no congresso”. Depois de todos os recuos, José Eduardo Martins ainda poderia ser candidato? “Seria um bom repto, tem as capacidades pessoais e políticas e representa a tal terceira via que fala para os sectores mais dinâmicos da sociedade”, responde Freitas. Mas não é dele a última palavra.

Por um partido humanista e um Estado contido

O manifesto começa com duas citações. Uma de Jacques Ranciére no sentido de afirmar “a capacidade de qualquer um” que deve ser exercida “através de instituições próprias, distintas do Estado” e outra de Manfred Max-Neef: “Nenhum interesse económico, sobre nenhuma circunstância, pode estar acima da reverência pela vida”. E a seguir pugna “por uma social-democracia de rosto humano (para não cairmos na armadilha tecnocrática outra vez!)”.

Fica assim, logo à cabeça, feita a separação de águas com a governação de Passos Coelho e a submissão à austeridade, sem renegar algum liberalismo no sentido da redução do Estado e do dinamismo da sociedade civil. Mais à frente virá o distanciamento face à oposição feita pela actual liderança do partido: "Por um partido positivo, aberto à mudança e à inteligência crítica sem demónios apocalípticos à espreita nem velhos do Restelo”, uma referência ao diabo anunciado por Passos e à sua descrença no sucesso da actual solução governativa.

O texto desenrola-se por 10 pontos – nós, povo; cidadãos; pessoa humana; desenvolvimento humano; inovadores, criadores, cuidadores, exigentes, ao serviço e por fim sociais-democratas – e é neste último que se afirma que o partido deve ser “reformista e humanista, sem grilhetas comunistas ou socialistas, com a visão contemporânea de uma sociedade justa e equitativa de pessoas livres, em reflexão contínua sobre as necessidades humanas numa biosfera finita que importa preservar e equilibrar aceitando que o crescimento permanente é impossível”.

 

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