Odinga denunciou fraude nas eleições e a violência regressou ao Quénia

Resultados preliminares dão clara vantagem ao Presidente cessante. Candidato da oposição não reconhece resultados e diz que sistema informático da comissão eleitoral foi pirateado.

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Apoiantes de Odinga manifestaram-se contra os resultados que dão vantagem ao Presidente cessante Baz Ratner/Reuters

A violência que há uma década ensombrou o Quénia volta a assombrar o país. O principal candidato da oposição, Raila Odinga rejeitou os resultados preliminares nas eleições que dão uma confortável vantagem ao Presidente cessante, dizendo que o sistema informático da comissão eleitoral foi pirateado, o que resultou numa “fraude maciça” a favor de Uhuru Kenyatta. Os seus apoiantes saíram à rua nos subúrbios pobres de Nairobi e em Kisumu, bastião da oposição no Oeste do país, e há notícia de pelo menos um manifestante morto pela polícia durante os protestos.

“Só se pode enganar as pessoas durante algum tempo”, disse Odinga, que tenta pela quarta vez chegar à presidência. “Desta vez apanhámo-los”, afirmou garantindo ter recolhido provas de que hackers a mando da coligação no poder entraram no sistema informático de madrugada, usando códigos roubados ao dirigente da comissão eleitoral cujo corpo foi encontrado nos arredores da capital, com sinais de tortura, uma semana antes das eleições. “Temíamos que esta fosse a razão do assassínio de Chris Msando, sabíamos que isto podia acontecer”, afirmou.

A meio da tarde, com quase 100% das secções de voto escrutinadas, o site da comissão eleitoral atribuía a Kenyatta 54,3% dos votos, quase dez pontos à frente de Odinga – uma diferença de 1,4 milhões de votos e bastante superior à prevista pelas últimas sondagens. O candidato da oposição assegurava, porém, que os dados dos seus representantes no terreno lhe atribuíam uma vantagem clara.

Nem o principal grupo de monitores quenianos nem as missões de observadores estrangeiros quiseram comentar as denúncias. Mas a Comissão de Direitos Humanos do Quénia disse ter detectado discrepâncias entre os dados disponíveis no site e as contagens feitas em algumas mesas de voto. 

O presidente da comissão eleitoral, Wafula Chebukati, prometeu que a alegada intrusão será investigada. Insistiu também que os dados disponíveis online não são ainda os resultados oficiais, que só serão publicados depois de a informação transmitida através do sistema informático ser cruzada com os formulários em papel que foram preenchidos nas mesas de voto e assinados pelos delegados de todos os partidos. “Temos sete dias para anunciar os resultados. Prometo aos quenianos que assim que estivermos prontos o faremos”, disse.

Kenyatta, que na véspera prometera aceitar a derrota “se essa fosse a vontade do povo”, não reagiu às acusações do adversário. Mas o seu ministro do Interior, Fred Matiangi, avisou que o Governo agirá contra os “agitadores”, admitindo restringir o acesso a redes sociais se estas forem usadas para difundir informação que “ponha em causa a segurança nacional”.

“Eu não controlo o povo”

Odinga pediu calma aos apoiantes, mas avisou: “Eu não controlo o povo”. E Kalonzo Musyoka, candidato da oposição ao lugar de vice-presidente, admitiu que “pode chegar o momento” em que os seus apoiantes “sejam chamados à acção”.

Mas não foi preciso esperar muito para se medir a tensão explosiva que rodeia estas eleições no Quénia, um dos países mais estáveis de África mas onde a política se joga muitas vezes a par das lealdades étnicas. Pouco depois de Odinga falar, a polícia usou gás lacrimogéneo para dispersar uma centena de manifestantes que se juntara na cidade Kisuvu aos gritos de “Sem Raila não haverá paz”. Mais tarde, foram disparadas balas reais contra um outro grupo na mesma cidade. A quilómetros dali, apoiantes da oposição queimaram pneus e enfrentaram a polícia em Kibera e Mathare, dois subúrbios pobres da capital. Neste último, um manifestante foi morto a tiro e outro esfaqueado, noticiou a edição online do jornal The Star.

Os observadores insistem que a situação política do Quénia é bem diferente de 2007, quando 1200 pessoas morreram na violência étnica que se seguiu à recusa de Odinga em reconhecer uma contagem duvidosa que deu a vitória ao então Presidente Mwai Kibaki. Mas admitem que muito irá depender do caminho que vier a ser seguido pelo candidato derrotado. “Se perdermos iremos esperar por aquilo que Odinga disser”, explicou há dias ao enviado do jornal Guardian um jovem de Kibera. “Se ele disser que está tudo ok, fica tudo ok. Se ele disser que é para lutar, iremos lutar.”

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